Parei no número 271 da rua Ala. Vila Bom Jesus. Meu cliente solicitou nesse endereço, mas ele não deve morar ali. Tô ligado. É a ponta de um beco. Meu passageiro deve morar lá pra dentro, onde não entra carro. Por isso o 271 bem grande escrito a mão na parede do barraco. Aguardo.
Chuva fina e ventania. A manhã ainda não clareou. Surge no fundo do beco um casal bem jovem. Ela vestindo um chambre apeluciado e uma toalha na cabeça. Ele de bermudas, chinelo e uma ponta de cigarro "artesanal" na boca. Trazem com eles 4 crianças. Quatro. Meus clientes. Valei-me Deus.
O rapaz embarca com a criançada — o cigarro de maconha já apagado, só o retrocheiro no ar. A mulher fica. Meu passageiro deixa uma criança menor numa creche pública. Mais adiante, deixa os outros 3 filhos num colégio público. Criançada tossindo, nariz escorrendo, o clima gaúcho é cruel. Despachada a piazada, tocamos pro Menino Deus.
Já com o baseado mocozado no bolso, meu cliente relaxa. Queixa-se da vida. Está cansado. Conta que trabalha na construção civil, é gesseiro, fala com orgulho da profissão. Diz que é fim de mês, hoje vai receber e vai direto pro supermercado, encher as latinhas do barraco, comprar fraldas, que a chuva não dá trégua e não tem roupa que chegue pra vestir os bacuris. Bah.
No fim da corrida, ainda deixou uma gorja e um sorriso largo. Vai matar o cigarrinho com os colegas no canto da obra antes de subir pros andaimes. Típico trabalhador brasileiro. Tem meu respeito.
Quanto a mim, é baixar a cabeça, trabalhar e parar de reclamar da goteira que apareceu lá em casa com a chuvarada. Eita setembro que não vai deixar saudade.
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