domingo, 4 de junho de 2023

A noiva

Ipiranga, com João Pessoa, sentido bairro/centro, vou chegando no sinal fechado e noto a noiva. Uma noiva, ela está sentada no meio-fio! As pernas na via, sobre o asfalto. As pernas abertas, os cotovelos pousados nos joelhos e a cabeça baixa. Vou parando o táxi, na faixa central da Ipiranga, reparando melhor na figura extraordinária. Uma noiva, não há dúvidas. Ela está com alguma coisa na mão, um negócio branco, meio rígido, algo como... Aquelas golas que os padres usam. Poderia jurar que é uma gola de padre! 

É domingo, cedo da manhã, meio de feriado de carnaval. A avenida vazia. Só eu e a noiva naquela esquina. Penso que poderia ser uma fantasia, uma foliona de ressaca, mas não. Está ali uma noiva autêntica, sou capaz de apostar. A maquiagem borrada foi feita com esmero, delicada, o vestido caro, por certo, apesar de sujo agora, é um vestido preparado para uma cerimônia de casamento. A cabeça baixa ostenta o que sobrou de uma tiara de flores delicadas. Uma noiva.

Ela parece perceber que há um carro parado no sinal,que está sendo observada, ergue a cabeça, os olhos borrados de rímel. A noiva me faz um sinal com a mão que está livre — ela me pergunta com um gesto, aquele típico gesto de quem leva e traz um cigarro à boca. A noiva me pergunta se tenho um cigarro! Meu Deus, como eu queria ter um cigarro, uma carteira inteira de cigarros para alcançar àquela mulher. Aproveitar a intimidade de quem troca algumas tragadas para saber o que a trouxe até aquela esquina, o que a deixou naquele estado. Mas tudo o que eu tenho no porta-luvas do táxi é uma banana, uma maldita banana para comer no meio da manhã. Não ouso oferecer. Penso em perguntar se precisa de transporte (poderia levá-la de graça aonde fosse em troca da sua história!). Ela percebe que não tenho o cigarro e volta a baixar a cabeça. Volta a prescutar o chão com a gola do padre, a brincar com algum tipo de formiga, no asfalto.

O sinal abre. Verde. É manhã de domingo, o feriadão esvaziou a cidade, eu poderia ficar ali por mais dois ou três ciclos do semáforo, mas sinto que devo partir. Não tenho nada a ver com a triste condição daquela noiva, nem um cigarro para lhe oferecer eu tenho. Melhor seguir em frente. Pelo retrovisor ainda observo a figura exótica, cotovelos nos joelhos, pernas abertas, o vestido magnífico brilhando ao sol da manhã, a cabeça baixa, o rosto enfiado no chão, catando formigas com a gola de um padre como se o mundo não existisse. Sigo pela avenida deserta na manhã de domingo. Hei de encontrar alguém que precise de táxi, afinal, é pra isso que saio de casa todos os dias.

4 comentários:

Anônimo disse...

✨️✨️✨️

Anônimo disse...

Bah! Não saber o que aconteceu é uma agonia.

Gilvan disse...

Imagino a cena... Do padre, só a gola? O que teria acontecido? Viva a imaginação... Parabéns!

Mauro Castro disse...

Obrigado!