É domingo, cedo da manhã, meio de feriado de carnaval. A avenida vazia. Só eu e a noiva naquela esquina. Penso que poderia ser uma fantasia, uma foliona de ressaca, mas não. Está ali uma noiva autêntica, sou capaz de apostar. A maquiagem borrada foi feita com esmero, delicada, o vestido caro, por certo, apesar de sujo agora, é um vestido preparado para uma cerimônia de casamento. A cabeça baixa ostenta o que sobrou de uma tiara de flores delicadas. Uma noiva.
Ela parece perceber que há um carro parado no sinal,que está sendo observada, ergue a cabeça, os olhos borrados de rímel. A noiva me faz um sinal com a mão que está livre — ela me pergunta com um gesto, aquele típico gesto de quem leva e traz um cigarro à boca. A noiva me pergunta se tenho um cigarro! Meu Deus, como eu queria ter um cigarro, uma carteira inteira de cigarros para alcançar àquela mulher. Aproveitar a intimidade de quem troca algumas tragadas para saber o que a trouxe até aquela esquina, o que a deixou naquele estado. Mas tudo o que eu tenho no porta-luvas do táxi é uma banana, uma maldita banana para comer no meio da manhã. Não ouso oferecer. Penso em perguntar se precisa de transporte (poderia levá-la de graça aonde fosse em troca da sua história!). Ela percebe que não tenho o cigarro e volta a baixar a cabeça. Volta a prescutar o chão com a gola do padre, a brincar com algum tipo de formiga, no asfalto.
O sinal abre. Verde. É manhã de domingo, o feriadão esvaziou a cidade, eu poderia ficar ali por mais dois ou três ciclos do semáforo, mas sinto que devo partir. Não tenho nada a ver com a triste condição daquela noiva, nem um cigarro para lhe oferecer eu tenho. Melhor seguir em frente. Pelo retrovisor ainda observo a figura exótica, cotovelos nos joelhos, pernas abertas, o vestido magnífico brilhando ao sol da manhã, a cabeça baixa, o rosto enfiado no chão, catando formigas com a gola de um padre como se o mundo não existisse. Sigo pela avenida deserta na manhã de domingo. Hei de encontrar alguém que precise de táxi, afinal, é pra isso que saio de casa todos os dias.
4 comentários:
✨️✨️✨️
Bah! Não saber o que aconteceu é uma agonia.
Imagino a cena... Do padre, só a gola? O que teria acontecido? Viva a imaginação... Parabéns!
Obrigado!
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