Meio da manhã, um homem chega até meu táxi antevendo o caminho com uma bengala de alumínio. Um deficiente visual. Ele pede que eu toque até uma esquina específica do bairro Santana. Durante a corrida, ele pergunta se posso esperá-lo por um tempo, depois trazê-lo de volta. Claro. Ao chegarmos no ponto indicado, ele pergunta se estou avistando uma ameixeira, bem na esquina. Ele pede que eu estacione o táxi embaixo da árvore. Paro na sombra da ameixeira. Ele pede que eu desligue o rádio e abaixe um pouco o vidro da janela do seu lado. Ok. Ele não fala nada. Ficamos assim por um tempo. Nada acontece. Dou uma espiada. Por baixo dos óculos escuros, meu passageiro está com os olhos fechados. Penso que ele pode ter pegado no sono. Quando decido falar alguma coisa, o homem começa a sorrir. Primeiro um sorriso discreto, que logo se alarga. O homem cego está rindo. Não contenho a curiosidade:
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
- O senhor está bem? Está rindo de quê? Posso saber?
- Escute, taxista. Fique em silêncio e ouça.
- Não estou ouvindo nada, senhor. A cidade, as buzinas ao longe...
- Escute. Olhe! Aí está! Ouviu?
- Um passarinho cantou.
- Um Sabiá, taxista. É um Sabiá-Laranjeira. Ele continua aqui!
Ficamos por um bom tempo escutando o canto do Sabiá. Meu passageiro feliz, as lágrimas brotando por baixo dos óculos escuros. Quando deu-se por satisfeito, pediu que eu o levasse de volta. Enquanto retornávamos, ele contou que trabalhou por 45 anos naquela esquina. Numa gráfica. Até perder a visão. Fazia três anos que não voltava lá. Disse que, hoje, amanheceu determinado a reencontrar seu velho amigo. O sabiá. Estava feliz.
Meu emocionado cliente contou que costumava passar seu intervalo de meio da manhã naquela esquina, embaixo da velha ameixeira. Disse que nos últimos 20 anos, pelo menos, ele acompanhou o canto daquele Sabiá. O mesmo Sabiá, o mesmo canto, todo ano. A partir da metade de agosto até o início do verão, o mesmo Sabiá volta àquela ameixeira para fazer seu ninho, chocar seus ovos. Três ninhadas, pelo menos. Com o passar dos anos, quanto mais a visão diminuía, mais meu passageiro disse que conseguia identificar o canto específico daquele Sabiá. Os intervalos da manhã eram o momento do encontro do funcionário da gráfica com seu pequeno cantor alado. Segundo afirmou, foi assim pelas últimas duas décadas, pelo menos. Até que precisou abandonar o emprego. Aposentou-se. Havia 3 anos que não voltava àquela esquina, que não ouvia seu velho amigo.
- O frio está com os dias contados, taxista. Meu Sabiá sabe bem disso. O verão logo há de dar as caras. Tempo de fechar os olhos, apurar o ouvido, escutar o que a natureza tem a nos ensinar.
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4 comentários:
Olá Mauro!
Sou uma leitora antiga do seu blog. Fiquei desconectada da rede de blogs por vários anos e recentemente resolvi retornar a escrever.
Que grata surpresa reencontrar seu blog na minha antiga lista de leitura.
E que texto lindo! Me deixou emocionada a tamanha delicadeza de vida desse seu passageiro especial. Amo ouvir os pássaros cantarem, sou dessas que para na rua absorver um chamado da natureza.
Que bom estar por aqui novamente!
Há braços!
Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça! A natureza continua aí, tentando sobreviver. Abraços!
Eu daria tudo pela volta das ferrovias. Me dá uma tristeza imensa ver as estações em ruínas. Fiz uma viagem pela ferrovia da Vale do Rio Doce, de Vitória a Belo Horizonte, há pouco tempo. Amei, amei, amei. Quero refazer. Abraços e fique bem.
Também estou voltando ao blog. Bom reencontrar amigos!
Há braços sim!!
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