terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Não queira estar no lugar de uma avó que pega um táxi em busca de sua neta, na esperança de encontrá-la, de trazê-la para casa, não queira ser esta mulher que sofre, que desabafa com o taxista, esta avó que soube que a neta está grávida, que carrega um bisneto seu no ventre, não gostaria de estar no lugar desta mulher que se culpa por ter trabalhado demais, de não ter visto a filha crescer, a filha vítima da aids, a neta cair no mundo, a roda viva que arrastou a avó até esse estado de desespero, de se lançar nessa busca louca, dentro de um táxi, pela periferia escura onde ela soube que a neta se prostitui, por bairros que ela jamais sonhara trafegar, não queira ser essa mulher que sofre, que quer recuperar o tempo perdido com a neta, com a futura bisneta, com o carinho que faltou e que agora julga ter pra dar, não queira ter que passar por isso ao lado de um desconhecido, de um taxista que você nunca viu na vida, com que você é obrigado a dividir sua angustia, sua busca desesperada, infrutífera, ter que passar pelo constrangimento de abordar outra menina, da idade da sua neta, outra garota que se vira, saber que a neta realmente vive por ali, pela mesma esquina, mas que deve estar fazendo um "programa", no momento, ou chapada, muito louca no barraco, não gostaria de estar na pele da minha passageira, ter que passar por tudo isso, ter que voltar pra casa sem a neta, sem esperança, amparo, ver-se obrigada a dividir sua história com o taxista, por falta de outro alguém com quem contar, não queira estar tão só, desarme o espírito, conecte-se, abra os braços, esteja disponível, sei lá... não espere que seja tarde demais.
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Dentre os taxistas que levam aquela passageira rabugenta até o Jardim Botânico, talvez eu seja o único que a entenda, que tolere seu mau humor, que saiba porque ela sempre vai lá. Foi o meu táxi que ela usou para levar as cinzas do seu cachorro até o JB. Esperei que ela espalhasse pelo lago o que sobrou do bicho. Segundo ela, o único ser vivo que mereceu seu respeito.
- Essa porcaria de táxi não anda mais rápido?
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- Então o senhor é escritor, um taxista escritor!
- Sim.
- Pois eu também escrevo. Escrevo mensagens, sabe, mensagens positivas, as verdades da vida, coisas lindas, pra cima.
- Humm.
- Mas esse seu livro é sobre o quê? São tipo piadas de taxistas?
- Não exatamente.
- Histórias depravadas? Os taxistas me contam cada coisa! Rola muita sacanagem, não é? Já namorei um taxista, sei como é...
- Não diga.
- Eu escrevo mensagens, lindas mensagens, mando pro amigos no Facebook. O senhor tem Facebook?
- Não senhora.
- Que pena.
- Pois é.
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O marido nunca se preocupou em disfarçar seu desconforto com a vizinhança do ponto de táxi - chegou a colocar uma placa no portão do sobrado pedindo respeito aos limites de sua entrada de garagem. Ela sempre discreta, olhos baixos, esposa submissa, nunca deu pinta se concordava ou não com a postura azeda do marido. Foi assim até o dia em que os taxistas invadiram o sobrado atendendo aos seus pedidos de socorro. O homem infartado, urinado, babando, transportado às pressas, o táxi voando para o Pronto Socorro.
Acabo de vê-la saindo (meu carro no limite da sua entrada de garagem). Simpática, brindou-me com um sorriso sincero e dirigiu-se ao táxi da ponta. Destino: Cemitério Jardim da Paz. A brisa abafada de Finados soprando o ramalhete de flores nas mãos da viúva.
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Minha passageira idosa, viúva, que habita solitária um dos últimos casarões do bairro Menino Deus. Quando pega meu táxi, não se importa de fazer o caminho mais longo (desconfio que até prefere), de parar em engarrafamentos, ela aproveita a corrida para interagir comigo, me trata por filho, pronuncia muitas vezes meu nome:
- Então, Mauro, como está, meu filho... A vida é assim mesmo, Mauro, não te preocupa, meu filho, Deus é que sabe, Mauro... Pois é, Mauro... Não tem pressa, Mauro... Aqui está bom, meu filho... Obrigado, Mauro, bom dia pra ti, meu filho... Fica com Deus Mauro...
Procuro levar a conversa com naturalidade, como se fosse só mais uma idosa que precisa exercitar a arte de conversar, de ouvir sua própria voz que já não usa tanto, sem lembrar que sei o que a leva a citar tantas vezes meu nome, a me chamar de filho. Procuro não lembrar que ela me contou do filho brutalmente assassinado, o filho único, talentoso, futuro brilhante, o filho executado na saída de uma festa. Procuro apenas ouvi-la, deixá-la lembrar de como era falar com seu filho que se chamava Mauro.
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Papelada, vistoria, taxa, taxa, imposto, tira ficha, espera, espera, espera, paga, paga, cópia, cartório, tira ficha, autentica, reconhece firma, mais papelada, outra vistoria, volta, paga a taxa da vistoria, Banrisul, espera, espera, espera, volta no Detran, tira ficha, espera, espera, mais vistoria, fila, fila, receita estadual, ficha 375, espera, espera, espera, caiu o sistema, volta no outro dia, não voltou o sistema, vai na EPTC, tira ficha 43, espera, vistoria, paga taxa vistoria, volta na receita, voltou o sistema, ficha 127, volta no Detran, ficha A250, espera, espera...
Uma semana enredado em burocracia pra colocar um táxi novo. Dias de fúria.
Alguém empresta uma arma?
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O taxista estava cansado, tinha trabalhado o dia todo. Já começava a anoitecer quando surgiram dois clientes engravatados. Dois advogados. Explicaram que precisavam estar em Uruguaiana nas primeiras horas do dia para uma audiência importantíssima. Seria a noite toda rodando, cerca de 700 km, uma corrida irrecusável! Trataram o preço e partiram rumo à fronteira oeste.
Assim que o táxi começou a rodar, os clientes dormiram. O taxista, logo que pegou a estrada, também sentiu sono, bateu o cansaço. Mal tinha passado a cidade de Guaíba, o motora resolveu dar uma paradinha em um posto de combustível para tirar uma rápida soneca.
Os 3 dormiram profundamente.
Quando o sol da manhã bateu no táxi, os advogados acordaram. Sacudiram o taxista perguntando se já estavam em Uruguaiana! Mal tinham saído de Porto Alegre. Nem 50 quilômetros rodados.
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A nova cor do táxi
Eu vinha serpenteando pelo meio da Vila dos Comerciários quando um garoto me fez sinal, avisou que uma senhora estava a umas duas esquinas adiante esperando por um táxi. Segui o caminho indicado e avistei a cliente - uma senhorinha idosa apoiada em uma bengala. Ela estava de costas para mim, olhando para o fundo da avenida. Fui chegando devagar primeira marcha, parei o táxi com a porta quase encostada na bengala. Baixei o vidro, perguntei se ela precisava de um táxi. Ela me olhou desconfiada. Deu uma boa olhada no meu carro. Branco, as faixas vermelhas. Torceu o nariz:
- Eu estou esperando um táxi.
- Pois então. Aqui estou!
- O senhor é taxista? Esse é um táxi?
- É um táxi. E novinho em folha!
- Branco? É o mesmo preço do outro?
- Mesmo preço, normal, é a nova cor.
Depois de dar uma última olhada para o fundo da avenida, depois de constatar que eu era o que mais se parecia com um táxi na redondeza, a senhorinha resolveu arriscar.
- Até a Azenha, por favor.
- Pois não.

2 comentários:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Vou te ser bem sincero, não sou muito fã dessa mudança na cor dos táxis de Porto Alegre. O laranja facilitava a identificação de longe.

Mauro Castro disse...

Fui voto vencido na questão da mudança de cor...