quinta-feira, 19 de julho de 2018

Preocupado
Saindo do banco, caminhando pela calçada em direção ao táxi, saquei o telefone do bolso e comecei a conversar com minha mulher. Já chegando próximo ao carro, com a mão que restava livre, comecei a apalpar os bolsos. Minha mulher contando as novidades e eu apalpando os bolsos da calça, da jaqueta. Já ao lado do táxi, olhei pra dentro do carro, examinei o painel. Nada.
- Gigi, não tô achando o meu celular.
- O quê?
- Meu celular, acho que deixei lá no banco.
- Que celular, Mauro.
- Não tá aqui no táxi, nem no bolso, não sei...
- Mauro, tu tá com o celular no ouvido.
Preocupante.
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Apertado pra fazer xixi, chego em frente às duas portas masculino e feminino. O banheiro dos homens ocupado, o das mulheres com a porta entreaberta. Resisto. Um maldito homem entra no feminino. Eu apertado. O homem do banheiro feminino desocupa, entra outro homem no banheiro feminino. Eu apertado, nada do banheiro masculino desocupar. Um terceiro homem entra pela porta do banheiro feminino, parece que alguém morreu no banheiro dos homens. Diabos! Minha bexiga estourando.
Quando a fechadura da porta do banheiro masculino começa a se movimentar eu sorrio, afinal, fiz a coisa certa, esperei, estou orgulhoso de minha tenacidade, esvaziarei a bexiga com o queixo erguido, grávido de razão.
Enfim sai do banheiro masculino uma... Mulher.
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A primeira coisa estranha era o fato de haver uma fila de uma meia dúzia de passageiros esperando por um táxi no ponto da José do Patrocínio com a Republica. Beleza. Parei. Na ponta da fila, agarrada à placa de embarque, uma mulher sorrindo. Ela não fazia menção de embarcar, apenas sorria. A próxima da fila, então, adiantou-se, parou junto à porta traseira do meu táxi, mas não a abria. Estiquei-me e puxei a maçaneta. A porta abriu-se até encostar na mulher, que, só então, como se despertasse de um transe, embarcou. Ela sentou-se, mas não fechou a porta. Era uma jovem, segurava uma bolsa contra o abdômen, o corpo um tanto encurvado para a frente, e mexia os lábios, como se estivesse falando consigo mesma. Perguntei onde ela ia, ela respondeu apenas "Clínica Pinel", sem me dirigir a visão, os olhos baixos. Eita. Desconfiado, perguntei se ela tinha dinheiro. A moça, então, ainda com a cabeça baixa, desembarcou pela porta aberta e voltou para o segundo lugar na fila, os lábios mexendo, atrás da mulher que apenas sorria agarrada à placa. Caramba. Próximo!
Os seguintes na fila eram dois. Um casal de meia-idade, óculos escuros, ele segurando uma bengala de alumínio, ela agarrada ao seu braço. Embarcaram tateando a lataria do táxi. Cegos. Ela acomodou-se primeiro, ele em seguida bateu a porta com força, estabanado.
- Boa tarde. Pra onde?
- Até um motel, por favor.
- Qual motel?
- Qualquer motel, o mais próximo, o mais rápido possível.
- É uma emergência?
Ele sorriu constrangido, quase por obrigação ante a piadinha do taxista, a mulher agarrou-se ao braço do companheiro ainda com mais força, não parecia nada à vontade. Decidi desistir de fazer graça, apenas segui em frente.
Na portaria do motel, eles solicitaram uma suite master com hidro, a opção mais cara. Estavam evidentemente ansiosos, a ocasião perecia especial. Em frente ao apartamento, ele me entregou uma nota de 50, deixando o troco como gorjeta, apenas pediu que eu os conduzisse até a porta do quarto. Claro. O homem agarrado ao meu braço, a mulher ao braço dele. Deixei-os segurando o corrimão da escada que os levaria até o ninho de amor. Perguntei se precisavam que eu os ajudasse em mais alguma coisa. Novo sorriso forçado. Óbvio que não. Apenas um confiante "daqui eu assumo", como uma senha para que eu saísse de cena.
Suspiro.
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Você percebe que está velho quando embarca em seu táxi uma morena escultural, vestindo calça legging cor de rosa pink, carregada no perfume, pedindo que a leve até uma certa "Delirio's", na Cidade Baixa. Além de não saber onde fica o estabelecimento, você pergunta:
- Seria uma casa de entretenimento adulto?
- É de putaria mesmo, tio.
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Você, que atalhou com seu carrão por dentro do posto de combustível da esquina enquanto todos esperávamos nossa vez de ingressar na avenida. Você mesmo, que colocou no vidro traseiro do seu carrão o adesivo "foi Deus que me deu". Saiba você que Ele está vendo tudo.
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Preenchendo ficha em um hospital.
- Nome?
- Mauro Castro.
- Idade?
- 55.
- Religião?
- Religião? (cara de confuso) Por que?
- Algumas religiões não permitem certos procedimento, então a regra é...
- Tudo bem, tudo bem, sem religião.
- Profissão?
- Taxista.
- Hum, não... hum, autônomo?
- Taxista.
- Deixa ver aqui... Profissional liberal?
- Taxista, amiga.
- Não tem a opção taxista...
- Taxista.
- Motorista! Achei, motorista!
- Tudo bem, tudo bem, motorista, que seja.
- Qual o plano?
- Me curar, amiga, esse é o meu plano.

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