terça-feira, 8 de maio de 2018

Duas jovens adolescentes fazem sinal pro meu táxi em frente a um galinheiro. Elas sentam no banco de trás, fecham a porta, mas pedem que eu espere por sua avó que já está vindo. A mulher vem em seguida, segurando um galo pelas patas, pendurado de cabeça pra baixo, as asas sacodindo em protesto, o animal se debatendo enquanto a mulher caminha impassível e abre a porta da frente.
- A senhora não vai embarcar no meu táxi com esse bicho, assim, desse jeito.
- Qual o "pobrema"? Os táxis sempre me levam.
- Olha aí, tá voando pena pra todo lado!
Contrariada, a mulher maneja o galo prendendo-o embaixo do braço, as asas pressionadas pelo sovaco. Não me dou por satisfeito, o galinheiro que dê um jeito, que embrulhe o galo, sei lá. No banco de trás, as meninas protestam. Elas parecem não compactuar com as práticas religiosas da avó.
- É pra fazer um "cardo". As meninas bem que gostam da minha galinhada.
- Caldo nada, taxista, é pra batuque mesmo. Ela vai degolar o pobre do galo.
Caldo, saravá, não importa, ante minhas exigências, a mulher volta ao galinheiro onde o animal é colocado numa sacola. A corrida finalmente segue com a mulher emburrada, as adolescentes com cara de nojo e o galo aparentemente resignado com seu destino, seja a panela, seja o despacho.
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Minha passageira aliviada com o fim do calorão:
- Aquilo parecia o inferno de 'Gandhi'!
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Passageira do nosso ponto pega táxi todo dia levando comida para seu filho. Um aroma de delícias inunda o carro. A brincadeira é que o taxista adivinhe o cardápio pelo cheiro. Meu nariz hoje está afiado:
Guizadinho de abóbora.
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Por favor
Caso você pegue um táxi, caso esteja indo para um laboratório de análises, caso você decida sentar no banco da frente, caso tenha dificuldade com o cinto de segurança, NÃO peça para o taxista segurar, por um instante, seu potinho cheio de fezes. NÃO seja essa pessoa. Evite este constrangimento.
Bom dia, obrigado.
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Quem vê minha passageira, na casa dos 70 anos, frágil, recatada, voluntária numa ong de animais de rua, não imagina que por trás daqueles óculos de grau existe um passado. Um passado que ela adora recordar, provocada por este taxista bisbilhoteiro.
Minha cliente conta que, quadro jovem, idos dos anos setenta, auge do regime militar, fez concurso para trabalhar no DOPS, o temível departamento de repressão política. Única mulher entre 30 candidatos, foi aconselhada a desistir das provas. Não desistiu. No teste de tiro, dos 5 disparos exigidos, acertou cinco. Primeiro lugar no concurso.
Ao falar do se antigo trabalho, a vozinha se empolga "chamei muito vagabundo pra conversar", vibra no banco do táxi como se ganhasse vida nova, até que se dá conta que está dando bandeira e volta a se alinhar.
No fim da corrida, penso em dar um desconto, cantar o hino, jurar a bandeira, mas minha passageira já voltou a ser a cliente afável de sempre. Abre um sorriso, deixa uma gorjeta e pergunta se não quero adotar um vira-latas. Agradeço. Já tenho minha guaipeca.

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