Meu colega taxista foi assaltado, perdeu toda a grana, levaram tudo, um casal bem arrumado, não davam pinta de assaltantes, levaram documentos, relógio, o celular novinho do meu colega, ainda deram-lhe uma coronhada na cabeça, foi humilhado, cuspido, o assaltante violento, a mulher se divertindo, às gargalhadas, pegaram a chave do táxi e partiram abraçados, aos beijos, tirando onda da situação.
Enquanto registrava ocorrência na delegacia, enquanto dava jeito de fazer o táxi funcionar, meu colega recebeu mais um duro golpe. O pior de todos, aliás. Sem saber o que estava acontecendo, a esposa do taxista ligou pra ele. Atendeu a assaltante:
- Meu amor, estamos num motel, teu marido, no momento, está tomando um banho pra se recuperar do amor gostoso que acabamos de fazer.
As gargalhadas, o barulho do chuveiro e o celular desligado na cara. Não adiantou mostrar boletim de ocorrência, explicação, galo na cabeça, não adiantou nada, meu colega disse que seu casamento nunca mais foi o mesmo depois daquele assalto.
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Depois do terceiro assalto, o taxista comprou uma arma. Sua mulher entrou em pânico. O marido sempre foi um homem pacato, pai zeloso, temente a Deus, nunca se meteu em confusão. Mas a arma foi comprada, um 38 engasgado com seis balas tornou-se parte do assento do motorista, sob o estofamento, camuflado, invisível, mas à mão. Ninguém nunca soube da arma além da esposa, o taxista não era homem de contar vantagem, gargantear, ele mesmo procurava esquecer o revólver, nunca tirou-o do lugar onde foi colocado, não manuseava a arma, tinha uma espécie de respeito, repulsa, quase nojo, nunca deixou que outro sentasse ao volante, o banco daquele táxi guardava o seu segredo.
O homem anunciou o assalto já espetando uma faca na carne do taxista, penetrando alguns milímetros, pra não deixar dúvida, descarga de adrenalina, berreiro no ouvido, vou te matar filho da puta, escuridão, periferia, toca sem olhar pra mim, aperta a faca, o aço na costela, o medo no osso, entra no beco, sem saída, passa a grana, passa tudo, quero dinheiro, miserável, carteira com a grana, tudo, pode pegar, te mato, mãos no volante mané, passa o celular, não tenho, não uso telefone, tem mais dinheiro aqui, a mensalidade da escola, no porta-luvas, otário, perdeu, pega tudo, leva, gritaria no meio da noite, cachorro latindo, o beco deserto, chão batido, longe de tudo, de socorro, o bandido saíndo, ainda gritando, jurando de morte, o dinheiro, a mensalidade da creche no bolso do vagabundo, a mão do taxista sob o banco, achando a coronha da arma, empoeirada, áspera, anatômica, o bandido correndo em direção ao mato, a escuridão, o primeiro disparado, o segundo, o vagabundo caindo, levantando em direção ao mato, mais um tiro, outro, só a escuridão, cachorrada latindo, mais um tiro, o bandido sumido, flashes de fogo, estampidos, o gatilho sendo apertado a esmo, até não surtir mais efeito, o cheiro de pólvora na noite, a arma quente, descarregada, silêncio, nada de bandido, nem mais os cachorros, nada, a escuridão abafando tudo naquele beco sem saída, o vazio, a arma jogada no arroio, o taxímetro desligado, o rádio desligado, a mente quieta, o caminho de casa, o banho mais demorado, o sono, silêncio.
Esquecido em um quarto de paredes nuas, janela para um muro, tudo foi a tanto tempo, quando tinha táxi, quando tinha colegas, quando tinha uma esposa, retalhos das lembranças mais antigas, as que sobraram, que o Alzheimer não lhe arrancou por completo. Nem mesmo a enfermeira que lhe trocou a última fralda ele lembra. Certo apenas as cruzadinhas, Coquetel, que alguém lhe traz uma vez por mês, quando vem pagar o asilo, o filho, o neto, foi tudo a tanto tempo, não reconhece mais ninguém. Palavras cruzadas, apenas as cruzadinhas.
Quem tira a vida de outro, horizontal, nove letras: assassino.
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Saída de um mercadinho de bairro, confusão, fazem sinal para meu táxi. Uma senhora é trazida, amparada por dois homens, está toda mole, as pernas frouxas, a cabeça caída para trás. Depositam a passageira no banco traseiro, explicam que ela está passando mal, pedem que eu toque para um hospital. Alguém (tipo o gerente do estabelecimento) se prontifica a ir junto, mas a senhora dispensa o acompanhante, explica que ficará bem. Os homens batem a porta e eu parto em alta velocidade.
Minha passageira, ainda grogue, mas já recuperando a cor, explica onde mora, diz que quer ir para casa. Insisto em levá-la a um postinho, pelo menos, mas ela pede que não me preocupe, quer apenas chegar em casa.
Ela explica o que aconteceu no mercadinho: cansada de sofrer com os mosquitos à noite, disse que resolveu comprar inseticida, mas um inseticida forte, que mate mesmo, nada de fórmulas à base de água. Para certificar-se de que acertaria na compra, resolveu conferir o fedor dos venenos, fez uma espécie de degustação olfativa, jogando inseticida no ar e cheirando, o que detonou um processo alérgico, asmático, uma tranqueira respiratória dos infernos. Abri os vidros do táxi!
No final da corrida, com a respiração já recuperada, minha cliente ainda tinha um problema a resolver: os mosquitos.
- O senhor, que anda por aí: sabe onde vendem aquelas raquetes elétricas?
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cochilo depois do almoço
- O que um passageiro precisa fazer no táxi para figurar numa página do teu próximo livro?
- No volume 5 do TAXITRAMAS?
- O que teria que acontecer?
- Sei lá, algo extraordinário, não sei.
- Extraordinário...
- O que tu tá fazendo? Recoloca o cinto, por favor, o alarme do cinto, o cinto, o que é isso, tchê, para, não, nã, me solta, estou dirigindo, eu, recoloca o cinto, recoloca a blusa, por favor, a blusa, opa, ai, tira a mão!
- Isso é "extraordinário"?
- Tem gente olhando, a mulher naquele carro tá filmando, não tem película nos vidros, vou bater o táxi!
- Extraordinário, extraordinário, extraordinário.
- larga, larga minha cinta, opa, não, estou trancando o trânsito, vou bater, tem que passar a marcha, aí, ai, me solta, te veste, pelamor!
- Mancha de batom na cueca é extraordinário?
- Nãããããoooo!
- No volume 5 do TAXITRAMAS?
- O que teria que acontecer?
- Sei lá, algo extraordinário, não sei.
- Extraordinário...
- O que tu tá fazendo? Recoloca o cinto, por favor, o alarme do cinto, o cinto, o que é isso, tchê, para, não, nã, me solta, estou dirigindo, eu, recoloca o cinto, recoloca a blusa, por favor, a blusa, opa, ai, tira a mão!
- Isso é "extraordinário"?
- Tem gente olhando, a mulher naquele carro tá filmando, não tem película nos vidros, vou bater o táxi!
- Extraordinário, extraordinário, extraordinário.
- larga, larga minha cinta, opa, não, estou trancando o trânsito, vou bater, tem que passar a marcha, aí, ai, me solta, te veste, pelamor!
- Mancha de batom na cueca é extraordinário?
- Nãããããoooo!
acorda
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O Batman não viu que a capa ficou presa na porta do táxi. Quando se ajeitou para colocar o cinto de segurança, o tecido esticou, reeeec, rasgou: o Batman ficou puto! Fazer o quê? Ao taxista cabe dirigir, não sei de capa do Batman, ele que cuide da capa. Inconsolável, com a capa novinha rasgada, porcaria made in china, o Batman deu piti, começou a chorar, maior vexame, credo! A Cinderela, ao lado dele, quieta, só observando o fiasco, pose de esfinge, sem paciência, como quem vê a cena pela enésima vez. O Batman chorando a fu, arrancou a máscara pra secar as lágrimas, esperneando, só se acalmou quando pegou o tablet, a maldita tecnologia anestesiando tudo, esqueceu a capa, a máscara de lado já não importava, o Batman com a tela enfiada na cara, a Cinderela olhando a paisagem pela janela do táxi, santa Galinha Pintadinha, Batman!
Depois de largar as crianças na creche, a passageira seguiu a corrida. Respirou fundo. Confessou que tem dias que acha que não vai conseguir, mas é assim mesmo. A vida é um eterno seguir em frente.
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