- Hemocentro?
- Esse aí.
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Começo a corrida com uma passageira e termino com outra: a arte da maquiagem num táxi em movimento é para poucas.
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A mulher tinha uma criança no colo, uma bolsa pendurada no ombro e tentava se proteger da chuva que resolveu cair pesada (nível cataratas do Iguaçu) no exato momento de embarcar no táxi. Abri a porta o mais que pude e ela se jogou.
A criança carregava um brinquedo tipo uma mola colorida, que enganchou no trinco da porta, a bolsa abriu-se despejando uma papelada sobre o banco, o guarda-chuva made in china resolveu não fechar, trancou aberto, jogou água por tudo, a chuva despencava maciça, grossa, criança, mulher, papelada, táxi, tudo absolutamente encharcado, molhaçada completa, criança chorando, mola arrebentada, papéis amassados, guarda-chuva jogado fora, palavrões proferidos em abundância.
Quando finalmente conseguiu fechar a porta do táxi, o cenário do banco traseiro era de guerra, Líbia pós-bombardeio, tsunami no Japão. Enquanto tentava salvar seus documentos, consolava a criança, secava os óculos, organizava a bagunça, a mulher pediu que eu tocasse para o Fórum, vara de família.
- Problemas.
- Problemas, taxista. E essa chuva é o menor deles.
- Problemas, taxista. E essa chuva é o menor deles.
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- Taxista, desculpe eu lhe perguntar, mas o senhor não teria um comprimido de Viagra para me vender?
- Não senhor, lamento. Estou desprevenido.
- Certo, certo. Dê uma paradinha ali na farmácia, então, por favor.
- Não senhor, lamento. Estou desprevenido.
- Certo, certo. Dê uma paradinha ali na farmácia, então, por favor.
- Pois não.
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Imagine que você é um taxista, que está no seu ponto, pensando na morte da bezerra quando visualiza o seguinte grupo de pessoas vindo pela calçada em direção ao seu táxi:
Na frente, caminhando decidida, uma anã, turbante na cabeça e muitos colares (guias de umbanda) pendurados no pescoço. Ela veste uma saia diminuta, que deixa à mostra suas perninhas cobertas com meias arrastão e suas sandálias tipo plataforma.
Atrás dela, dois homens enormes, brutamontes vestidos de branco dos pés às cabeças, carregam uma mulher aparentemente tonta. Com a cabeça baixa, os cabelos cobrindo o rosto, a mulher se deixa levar pelos homens, braços dados à força, os pés meio que arrastando.
Atrás dela, dois homens enormes, brutamontes vestidos de branco dos pés às cabeças, carregam uma mulher aparentemente tonta. Com a cabeça baixa, os cabelos cobrindo o rosto, a mulher se deixa levar pelos homens, braços dados à força, os pés meio que arrastando.
Você, então, olhando aquela cena bizarra, vendo que aquelas pessoas pretendem embarcar no seu táxi, pensa com seus botões de taxista: eu devo ter feito alguma coisa em vidas passadas, colado chiclete na cruz, sei lá, devo estar pagando algum pecado. Com tanto táxi pela cidade, não é possível que isso só aconteça comigo.
Sentada no banco da frente, a anã, Mãe de Santo, indica o caminho do seu terreiro. Depositada no banco traseiro, ainda segura pelos dois homens, a mulher parece aceitar seu destino: quieta, apenas a respiração pesada, ruidosa escapando pelas narinas. Tudo parecia levar a uma corrida tranquila, até que, passando em frente ao Palácio Piratini, o encosto da passageira resolve se manifestar.
"EU VOU MATAR TODO MUNDO! EU VOU MATAR TODO MUNDO! VOU MATAR!"
A mulher esperneando, os homens cuspindo palavrões, a anã jogando suas guias, mandando acelerar, um grupo de sem-terra que pretendia invadir o Palácio cercando o táxi com suas bandeiras vermelhas e gritos de fora Sartori, pernadas, suor, a anã tentando acender um charuto, "VOU MATAR!", segura, puxa, acelera, CUT, MST, megafone, saravá, afoxé, acelera, meia arrastão rasgada, buzina, plataforma voando, passa por cima, toca, "TODO MUNDO!"...
Então você pensa que mais de três décadas ao volante de seu táxi talvez já tenha sido o bastante, pensa que talvez você já tenha visto tudo o que tinha pra ver, que talvez já seja tempo de parar. Mas, a cada nova corrida, o mundo insiste em te convencer do contrário.
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