Em certas corridas, os papos simplesmente rolam. Pinta uma sintonia, sei lá, o táxi vira um confessionário. Eu que não sou muito de me abrir, quando vejo estou falando pelos cotovelos. Foi assim que me vi explicando para uma passageira meu lance com o feijão e arroz.
Meu pai, antes de começar a comer, mistura o arroz com o feijão. Cresci vendo-o fazer isso. Por consequência, eu fazia o mesmo: só dava a primeira garfada depois de tudo misturado. Até um dia em que, mais maduro, visitando a casa de um amigo, percebi que eles não misturavam os alimentos no prato, comiam tudo separado. E naquele dia, lembro bem daquele dia, percebi que meu pai poderia não ser um super-herói infalível. Foi a perda da inocência, uma ruptura, uma libertação. Eu percebi que poderia fazer diferente, seguir outros caminhos…
Depois de escutar esse monte de asneiras, essa teoria idiota do arroz e feijão, minha passageira resolveu contar sua história com seu pai.
Ela morava em uma cidade pequena do interior do estado. Todos se conheciam, o pai dela era o farmacêutico da cidade. Uma pessoa bastante respeitada. A mãe não trabalhava, cuidava da casa e dela, da filha pequena. Foi quando passou o circo pela cidade.
Minha passageira confessou que não tinha idade suficiente para compreender o que aconteceu exatamente, mas o fato é que a mãe dela, depois de levá-la várias vezes ao espetáculo, acabou abandonando a cidade com o circo. Apaixonou-se pelo palhaço, mais exatamente. E foi embora com ele.
O pai dela teria virado motivo de chacota. Todos apontavam para ele, riam do pobre farmacêutico. O homem que perdeu a mulher para um palhaço.
Assim como na minha história do arroz e feijão, minha passageira disse que lembra bem do dia em que seu pai a levou para dormir na casa da sua avó. Despediu-se dela com um beijo na testa e deu as costas. Foi encontrado no outro dia, enforcado em uma figueira. Segundo minha passageira, ele será sempre seu super-herói.
Um comentário:
Ninguém trai ninguém se optar em misturar ou não o feijão com o arroz. Mas é palhaçada traçar a corda com a figueira. Esta é de matar.
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