O careca do Karmanguia

Quando cheguei no meu ponto havia um táxi estrangeiro estacionado. Um bocada (taxistas intrusos, que tem direito de parar em pontos que estejam vazios). Ele me reconheceu da coluna no Diário Gaúcho e veio me contar sua história. Queria que eu a publicasse no jornal, citasse seu nome, inclusive. Vamos lá, adoro uma boa prosa.

Meu colega contou que trabalhava em uma indústria de grande porte, tinha um cargo de respeito, ganhava bem, mas aconteceu que foi demitido. Por conta dos anos de dedicação à empresa, recebeu uma boa indenização em dinheiro. Foi quando deparou-se com uma encruzilhada, que acabou ditando o rumo da sua vida.

Com a grana que tinha no bolso, ele poderia comprar um táxi ou comprar um Karmanguia, que era o carro esportivo da moda à época. Casado, com um filho recém-nascido, ele tinha responsabilidades, o táxi seria uma garantia de sustento, mas o Karmanguia era o seu grande sonho de consumo. Esportivo, dois lugares, vermelho, conversível. Mesmo com a mulher dando contra, ele optou pelo carro.

Sentado ao meu lado no banco do ponto, meu colega mostra o táxi em que trabalha atualmente como empregado. Um Corsinha caindo aos pedaços. A comissão que lhe cabe mal dá para pagar o aluguel. Sem conseguir outro emprego decente, acabou perdendo a casa, o conversível e a mulher. Toda vez que vê passar um dos poucos Karmanguias que ainda circulam por ai, o taxista estremece. Imagino que até sua peruca entorte.

Ah, sim, esqueci de mencionar: meu colega usava peruca. Um aplique capilar mal enjambrado, que balançava quando ele enfatizava algum argumento. Foi uma conversa interessante, a história é realmente boa (tanto que estou publicando), mas o que mais me impressionou foi aquela maldita peruca ameaçando cair a cada frase.

Perder o emprego, a casa, a mulher, o carro… não deve ter sido fácil. Mas, como careca, posso afirmar: é preciso perder o cabelo com dignidade. Peruca me parece o fim da picada.