Ofereci meu livro àquela passageira como faço com todos que passam por meu táxi. Em geral, as pessoas que não querem comprar, que não se interessam pelo livro, fazem rodeios, dão desculpas de todo tipo antes de recusar a oferta. Aquela passageira, no entanto, foi direto ao ponto. Sentenciou sem nenhum traço de constrangimento:
-- Eu não sei ler, moço.
Acho que não consegui disfarçar minha cara de espanto. Fiquei meio sem jeito, sem ter o que falar, um silêncio engasgado no ar. Minha passageira tratou de desfazer o embaraço. Contou que nunca entrou em uma sala de aula. Não teve chance. No curto espaço de tempo daquela corrida de táxi, ela me fez um resumo rápido de sua história de vida.
Nasceu no interior do município de Palmeira das Missões. “Nas grotas”. Filha mais velha, coube a ela cuidar de 16 irmãos, fora os que morreram ainda pequenos, que “não vingaram”. Trabalhou na roça e em casas de famílias em troca de comida e roupas usadas. Vivia na mais completa miséria. Passava fome.
Quando o circo passou pela cidade, ela não pestanejou. Fugiu de casa, seguiu com a trupe de artistas sem olhar para trás. Mas não foi muito longe, sua mãe a encontrou, levou-a de volta para casa. Mais tarde, teria conseguido escapar definitivamente com uma caravana de ciganos que passou por aquelas bandas. Tinha 18 anos incompletos. Desde então, rolou um bocado pelo mundo.
Mãe de seis filhos seus e três “de criação”, todos encaminhados na vida, educados e trabalhando, ela agora está diminuindo o rítimo das faxinas com as quais ganha a vida. Beirando os 70 anos, já não tem o vigor de outrora. Dá-se até ao luxo de pegar um táxi quando se atrasa para o serviço.
Uma história e tanto.
No final da corrida, minha passageira pediu que eu acrescentasse o preço de um livro ao valor que constava no taxímetro. Levou um exemplar para um de seus filhos, que é taxista como eu. Espero que meu colega leia algumas histórias para sua mãe. Ela merece.
Um comentário:
Emocionante Mauro!
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