O telefone do ponto toca e eu atendo. Reconheço a cliente já nas primeiras sílabas da ligação: “Táxi aqui beco, na funda”. Nossa querida passageira é uma senhorinha idosa, chinesa, dona Ling, que mora na última casa de uma ruela sem saída: na funda.
Quando estaciono em frente ao portão, ela já vem saindo com seu inseparável andador de alumínio. Como vem sozinha, presumo que fugiu de novo dos filhos, que não querem que ela saia desacompanhada. Enquanto a ajudo a embarcar, ela revela o destino, seu passeio de sempre: “shopping tomar sorvete, né”. Ela leva o endereço de casa em um crachá pendurado no pescoço.
Assim que se acomoda no táxi, dona Ling me faz a pergunta de sempre. Quer saber como está um antigo taxista do ponto que se aposentou: “Como está Carlos?”. Carlos, conhecido pelos colegas como Zangado, era um sujeito de gênio forte, mas muito querido da dona Ling. Ao saber que Carlos está se recuperando de um infarto, a idosa comenta com tristeza na voz:
-- Carlos muito brabo, né. Carlos brigava trânsito. Eu dizia não briga, Carlos, mas Carlos brigava. Um dia saiu do táxi, deixou porta aberta, foi brigar outro motorista, eu gritando não briga, mas Carlos não ouvia, fiquei nervosa, né. Coitado Carlos. Manda abraço Carlos!
Com a proximidade do natal, como faz todo o ano, dona Ling costuma presentear os taxistas com pequenos regalos chineses. Ela tira da bolsa um penduricalho colorido. Avisa que devo usar no táxi, para dar sorte. Agradeço de coração. Ela diz que me viu na tevê, minha entrevista na Feira do Livro. Fico intrigado pois não fui à Feira. Ela pergunta o que eu tinha escrito no cabelo. Mais uma que me confunde com o Carpinejar…
Antes de partir, já agarrada ao andador, dona Ling pergunta por minha filha. Quando informo que ela vai prestar vestibular para teatro, a idosa tenta me consolar: “Não caindo nas drogas, né?”. Dito isso, parte com seu passinho miúdo rumo ao tão esperado sorvete de morango.
Um comentário:
Só faltou ela dizer: "O que importa é ter saúde né"
rsrs
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