Quando cheguei com o táxi para pegar aquela corrida, a passageira já saía pelo portão. Era uma escola de arte ou algo do tipo. “Arte e Cia”. Enquanto parava o carro, pensei com meus botões: de um lugar desses, onde se convive com arte, só pode vir uma passageira bacana, será com certeza uma corrida legal.
Minha cliente, saiu do estabelecimento com uma jovem que parecia a dona do lugar, que veio ao portão despedir-se dela. As duas sorriam descontraídas. A mulher que veio embarcar no meu táxi estava um pouco acima do peso, vestia-se com desleixo. Pensei: uma artista, despreocupada com a aparência, o conteúdo é o que importa aos que vivem para a arte. Legal.
A gordinha sentou-se no banco de trás sem cumprimentar-me. Destino: Palácio do Comércio. Um lugar estranho para uma artista, mas vamos lá.
Minha cliente parecia ocupada. Abriu uma pasta, espalhou alguns papéis sobre o banco, digitava sem parar no smartphone, recebia alertas de mensagens. Aos poucos, a pinta de artista foi ficando para trás. Tentei falar sobre meu livro, mas ela não deu bola, emitiu um grunhido seco e voltou ao smartphone. Só quando levou o telefone ao ouvido e iniciou uma ligação de voz, pude avaliar melhor minha passageira. Ela berrou:
-- Como assim, Alan, e o operacional, Alan, quem vai ficar com o operacional, cara! Não quero saber, Alan, eu te pago para isso, quero saber como vai ficar o operacional! Um passa para outro, o outro passa para um, quero saber quem resolve isso, Alan. E o operacional, cara, como fica!
O que à primeira vista parecia ser uma passageira maneira, relax, na verdade, não passava de uma chefe estressada, chata, encafifada com o tal do “operacional”, seja lá o que fosse isso. Nada de aquarelas, lirismo, prosa, poesia, a gordinha era alguém sem a menor graça, que não pensava nem em si mesma, sem auto-estima, escrava do trabalho e do seu maldito “operacional”.
Sem as tintas da arte, o mundo parece um lugar opaco.
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