domingo, 16 de novembro de 2014

Desmaio

Em meio a toda loucura, lembro de ter pensado em minhas cuecas: a que eu estava vestindo já deveria ter sido aposentada a algum tempo. Os Sabiás já começavam a cantar, o dia não tardaria a clarear, eu caminhava por uma estrada esquecida em algum ponto da Zona Rural de Porto Alegre, os pés descalços, a pele arrepiada de frio, só de cueca e um velho anel no dedo.

Uma camionete velha parou, atendendo meus pedidos de ajuda. Parou uns metros adiante, arrancou quando eu corri até ela. Parou mais adiante. O motorista, desconfiado, certificou-se que eu não representava perigo. Expliquei que era um taxista, que tinha sido assaltado. O homem, por fim, abriu a porta da camionete. Acomodei-me como pude ao lado de um cachorro que acompanhava o motorista. Foi assim que consegui chegar à delegacia de polícia. O dia alvorecendo.

Assim que me identifiquei, o policial passou o alerta para a EPTC. Graças ao rastreador, em poucos minutos meu táxi já estava sendo perseguido por uma viatura da brigada. O policial me conseguiu um calção e partimos em outra viatura. Sirene ligada, alta velocidade. Pelo rádio comunicador, acompanhávamos a fuga desesperada dos assaltantes. Ainda pelo rádio, fiquei sabendo que haviam batido com meu carro. Droga!

Meu desespero aumentou quando cheguei ao local do acidente. O táxi abraçado a um poste, viaturas cercando a cena, os assaltantes algemados.

Foi quando eu me lembrei da passageira. Como eu posso ter esquecido! Havia uma passageira comigo quando fui abordado pelos assaltantes no sinal fechado. Ela também foi despida, colocada comigo no porta-malas. Quando eles mandaram que saíssemos, eu saltei correndo pela estrada e não a ví mais. Talvez tivesse ficado no carro!

Todo o horror daquela noite não foi nada comparado ao momento em que os policiais abriram o porta-malas do táxi. O corpo inerte da mulher, o desespero, as tentativas inúteis de trazê-la de volta à vida, minhas pernas amolecendo, o desmaio.

4 comentários:

cirio disse...

Apavorante. Seu relato nos faz refletir o momento de insegurança que vivemos. O que mais preocupa, é que não conseguimos ver uma possibilidade de mudança para melhor nesta situação. Basta conversar com um professor, que vemos que a coisa toda tende a ficar pior ao longo do tempo.
Não existe mais a família que orienta, educa e ensina as crianças a serem e terem bons modos, trabalhar, lutar por um futuro melhor.
Estes valores estão cada vez mais distantes da nossa realidade.

Anônimo disse...

O pior de tudo é que um ladrão/assassino tem "direitos humanos", e se um brigadiano der um tiro na nuca dum lixo desses que se bobear já é reincidente aí vai preso.

Anônimo disse...

Que horror, vizinho!
Muito embora saiba que pode ser ficção, me assusta porque li há poucos dias sobre assassinatos em POA de colegas teus.
Abração.

Paulo disse...

Mauro, há muito tempo não leio e não comento no Taxitramas. Perdi o costume, sabe como é... Tenho o seu livro desde quando vc lançou a 1ª edição. Hoje por acaso vim aqui depois de ler sobre a morte de um colega seu aí em POA, com protestos da categoria, etc e me deparo com uma história destas. Verídica ou não, um relato absolutamente perfeito. Abraço!