Passa todo tipo de gente pelo banco do meu táxi. São cerca de trinta, quarenta pessoas em um dia de serviço razoável. Muitas vezes não acontece nada, é apenas mais um passageiro que paga para ser transportado. Outras corridas, porém, funcionam meio como uma fresta por onde o taxista pode espiar um tanto da vida de alguém, um flash do mundo alheio. Essas pequenas pistas deixadas ao taxista podem revelar tipos, no mínimo, estranhos.
Eu transportava um sujeito normal. Nós conversávamos banalidades como as loucuras da metereologia, o trânsito caótico. Ele emitia opiniões sensatas sobre tudo até que a conversa caiu no tema violência urbana. Meu passageiro, então, tirou a chave da porta da sua vida e permitiu que eu espiasse pelo buraco da fechadura.
O homem sentado ao meu lado havia matado uma pessoa. Ele contou que reagiu a um assalto. Entrou em luta corporal com o assaltante, tirou a arma do bandido e o matou com seu próprio revólver. Seis tiros. Só parou de puxar o gatilho quando acabaram as balas.
À medida que contava a história, percebi que o passageiro se agitava, tremia de leve a mão, subia vários tons a voz. Passei a observar melhor meu cliente com o canto do olho. Parecia ser verdade o que ele contava, os detalhes, a convicção da narrativa, as gotas de saliva ácida voando a cada afirmação: “bandido bom é bandido morto”. O pacato cidadão que há pouco não chamava minha atenção, agora revelava um lado selvagem, descontrolado, capaz de explodir em fúria. Achei melhor concordar com tudo, ficar do seu lado, seja lá o lado que fosse.
Para provar sua generosidade, o passageiro decidiu dividir comigo as lições que aprendera depois de “puxar 6 anos no fechado”. Dar apenas um tiro, no máximo dois, no bandido. Segundo ele, o número de disparos pode ser a diferença entre legítima defesa e execução. E a segunda lição, não menos importante: não economizar em advogados.
Prometi não esquecer suas recomendações caso decida matar alguém.
Um comentário:
Independentemente do número de tiros, absurdo o cidadão ter sido preso por exercer a legítima defesa. Duvido que na hora H alguém vá baixar a adrenalina e conseguir parar para contar quantos tiros está dando.
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