Eu trabalho a vinte e muitos anos no táxi. Depois de tanto tempo de praça, seria de se esperar que eu não caísse em alguns truques manjados, mas o moscão aqui parece que não aprende.
Depois de pedir que eu tocasse até o Centro, a passageira encolheu-se no banco traseiro e não falou mais nada. Magrinha, cheirando a cigarro e com uma calça mais justa do que o normal, ela não era uma passageira padrão, mas também não chegava a chamar a atenção. Eu devia ter desconfiado quando puxei um assunto banal e ela não quis conversa, mas isso a gente só pensa depois, quando Inês é morta.
Chegando próximo ao destino da corrida, a passageira começou a falar ao celular. Parecia estar discutindo com uma espécie de sócia. Ela explicava ao telefone que estava em um táxi, que tinha pressa, que precisava que a outra descesse até a entrada do prédio, que ela assinaria os papéis e continuaria no mesmo táxi. Não tinha tempo de subir até o escritório. Do outro lado da linha, a outra parecia argumentar que não poderia descer, que estava com algum cliente importante, que minha passageira precisaria subir e tal e coisa, coisa e tal.
Já na frente do endereço em questão, minha passageira encerrou a ligação irritada e pediu que eu esperasse um momento. Explicou que subiria apenas para assinar um documento, coisa rápida, eu não precisava nem desligar o motor.
Nesse tipo de situação, sempre fico constrangido em pedir que o passageiro deixe algum documento como garantia de que irá voltar, mas parecia necessário naquele caso, parecia que alguma coisa não cheirava bem naquela mulher. Ela me deixou um cartão de crédito e desembarcou apressada.
Eu ainda esperei por um bom tempo até concluir que a vigarista não voltaria. A entrada do prédio, na verdade, era uma galeria que tinha saída para outra rua. O cartão, óbvio, devia ser roubado. Perdeu, taxista.
O jeito foi assimilar o golpe, disfarçar minha cara de pato e partir para a próxima corrida.
Um comentário:
mais uma que poderia ser global............artista......
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