Bairro Cascata, alto da Estrada dos Alpes, bem no topo, chão batido, largando uma passageira em um beco apertado. A subida tinha sido tensa, serpenteando as ruas estreitas que dão acesso ao morro. Tudo que eu queria era manobrar o táxi e voltar ao asfalto, ao nível do mar. Foi quando apareceu o bêbado.
Eu estava dando ré e quase atropelei o bêbado, ele apareceu do nada, desceu de alguma nuvem, talvez. Parei a poucos centímetros da garrafa que ele segurava em uma das mãos. Na outra mão, um cachorro vira-lata com cara de sonso. Feliz por não ter sido atropelado, o homem largou o cachorro sobre o porta-malas do táxi e virou um gole, no bico. Feito isso, olhou para o retrovisor e, encontrando meus olhos, abriu um sorriso cariado.
Com o vira-latas de novo no colo, o bebum chegou até a janela do táxi e pediu para baixar o vidro. Queria conversa. Abri um tanto do vidro, o suficiente para pedir desculpas por não tê-lo visto, o suficiente para desejar-lhe boa tarde e sair fora. Mas antes que eu abrisse a boca, o homem fez uma pergunta que me desconcertou:
- O senhor está descendo?
Não tinha como dizer que não. Estávamos no alto do morro. Não tinha mais para onde subir. Procurei pensar em algum outro lugar para onde eu pudesse estar indo, mas todas as opções ficavam abaixo daquele ponto. Era óbvio que eu estava descendo, e ele sabia disso, tanto que não esperou pela resposta. Pediu uma carona até o asfalto.
Além do cachorro e da cachaça, o homem trazia um Diário Gaúcho embaixo do braço. Talvez fosse até leitor da minha coluna, talvez tivesse até me reconhecido! Não tive como negar.
Para minha surpresa, o bebum fez sinal para que eu esperasse, virou-se para a entrada de um beco e começou a chamar, aos berros, uma tal de Irene - sua mulher, conforme me explicou, ela iria junto. A cada berro, as pulgas do cachorro saltavam, a cachaça espirrava…
Antes que a Irene aparecesse, eu já estava longe. Sinto muito, amigo.
2 comentários:
Os ossos do ofício, às vezes, são duros demais. E malcheirosos.
"Quero ver Irene dar sua risada".
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