Um taxista na praia, peixe fora d’água, sem saber o que fazer com o tempo, com a falta de rotina, despertador desligado. Os pés na areia sentindo falta da embreagem, do acelerador. A maresia no lugar da poluição - acho que os anos de cidade grande me deixaram alérgico a ar puro. Não saio debaixo do guarda sol, boné, óculos, camiseta e um livro nas mãos. Praticamente um ET na orla gaúcha.
Estou no Pinhal, praia onde veraneio desde sempre.
Quando criança, mal terminavam as aulas, eu e minha irmã éramos sequestrados por meus avós. Passávamos o verão todo longe dos nossos pais, aqui, soltos entre o mar e a Lagoa Azul. Nossa casa não tinha água encanada. Eu e minha irmã costumávamos buscar a água cristalina da lagoa para as lides domésticas. Isso até o dia em que encontramos um corpo boiando por entre os juncos. Afogamento. Posso dizer que minha inocência se perdeu nas águas cálidas daquela lagoa.
Hoje, os tempos são outros. Não conjugo mais o verbo “veranear”. Passo apenas alguns dias por aqui, assim como fazia meu pai, que aparecia nos fins de semana com minha mãe para rever os filhos enegrecidos pelo sol. Hoje sou eu que não consigo me afastar por muito tempo do taxímetro, acho que é genético. Minha filha que se cuide.
Assim como eu, a praia também mudou. Pinhal cresceu até no nome: tornou-se balneário. As ruas estão apinhadas de carros. Fila para tudo, congestionamento. As casas agora, além de água encanada, têm grades, alarmes e vigilância armada. Latas de cerveja e espigas de milho brotam na areia, carros despejam funk e sertanejo no último volume pelas ruas mal iluminadas. Lanchas e esquis aquáticos cortam as águas da lagoa onde um dia minha infância se afogou.
Em breve volto para Porto Alegre. A pele mais escura, a sola do pé mais grossa, o pulmão desintoxicado. Não vou dizer que senti saudades, mas é bom voltar para o táxi, para o trânsito, que, afinal de contas, é meu habitat natural.
Um comentário:
corpo boiando na lagoa? e de onde vcs passaram a pegar agua?
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