Mais uma dose

Para ser sincero, o que me fez abrir a porta do táxi foi a maçaroca de dinheiro que o homem trazia na mão. Uma bola amarrotada de notas de dez. Sempre que posso, evito carregar bêbados, mas aquele, pelo menos, tinha dinheiro para pagar a corrida. Já era um começo.

Ele ficou por um tempo agarrado à porta do táxi, parecia procurar forças para embarcar. Aos poucos, foi enfiando o corpo antes das pernas, de ponta cabeça, como se mergulhasse para dentro do carro. Enquanto executava a estranha manobra de embarque, o bêbado urrava, com os dentes cerrados e o rosto contraído de dor. Um parto.

Tive que descer para fechar a porta, o homem não conseguia puxá-la. Ele explicou que estava com a clavícula quebrada. Disse que tinha comprado uma “speed”, uma bicicleta de corrida. Pouco acostumado com a bike, contou que desceu a Oscar Pereira em alta velocidade, perdeu-se em uma curva e se chocou contra um poste. Não morreu por detalhe.

O ortopedista lhe cobrou R$ 160 apenas para constatar que estava com a clavícula quebrada em duas partes. Outros procedimentos e a medicação custariam uma fortuna, segundo lhe informaram. Meu humilde passageiro achou melhor tomar um porre, para ver se vencia a dor que lhe rasgava o peito. Simples assim.

Não parecia estar funcionando. O homem gemia a cada solavanco do táxi. Agarrava o braço, jogava a cabeça para trás, executava uma respiração tipo cachorrinho, feito as mulheres em trabalho de parto. Sugeri desviar o caminho, largá-lo no Pronto-socorro. Ele recusou a oferta. Insistiu em descer na Praça Capitólio, tomaria mais uma dose e iria para casa dormir.

No final, abriu a mão e escolheu as notas amarrotadas para pagar a corrida. Confessou que sua maior dor era a perda da Speed, a bicicleta que economizara por um ano para comprar. Destruída contra um poste.

Respiração cachorrinho. O bêbado se concentrou, reuniu forças, segurou o braço e se foi cambaleando. Cada um sabe de si.