Paro para almoçar lá pelas três da tarde. A essa altura, só o bar do Alemão me salva. Peço qualquer coisa à moda da casa. Paulão, o cozinheiro, já me conhece: pouca comida pra não desperdiçar. Hiran, o “garçon”, tenta ser engraçado, diz que estou chegando cada vez mais cedo… para a janta.
Dezembro chegou com sua tradicional correria. Todos precisam de um táxi. Telefone do ponto, celular, aplicativo, internet, sinal de fumaça, vale tudo para me achar. Não consigo ficar alheio ao clima de urgência, enlouqueço junto, tento atender todo mundo, fazer o maior número de corridas possíveis, ficar rico. Só que não. Tudo que consigo é almoçar lá pelo meio da tarde, roxo de fome.
Alemão, o dono do boteco, pergunta se vou de Coca-Cola - ele sabe que ali é a chance que tenho de tomar o líquido preto proibido na minha casa. O clima no estabelecimento é de paz, o movimento já passou, sou o único que tem pressa. Engulo a comida em poucas garfadas. Enquanto termino minha Coca já vou reiniciando o celular. Bora.
Não demora a me fazerem sinal. Uma passageira embarca com um arranjo de flores. Até o shopping tal, voando. Ela nem olha para minha cara, está digitando no smartphone. Entre um resmungo e outro, solta um palavrão. Pede desculpa.
Na entrada do shopping, apenas um táxi no ponto. Fico à espreita, se ele sair, posso encostar. Mas noto que há um outro táxi estrangeiro, talvez também esperando uma chance. Paro ao seu lado, para tirar a dúvida. É quando tenho uma surpresa.
Meu colega está ao volante… tocando cavaquinho!
Abro o vidro do meu táxi, tento chamar a atenção do “músico”, perguntar se está trabalhando, mas ele não me nota. Ar ligado, vidros fechados, só tem olhos para o cavaco. Mordendo a língua, tentando encaixar os dedos gordos no braço estreito do instrumento, nem ai para o mundo. Invejo-o.
O táxi que estava no ponto arranca e eu encosto para mais uma corrida. Segue a loucura nossa de cada dezembro.
3 comentários:
Também invejo quem nos dias atribulados de fim de ano, tem tempo para um cavaco.
Te conheci pelo canal futura "meu duplo" muito bom seu trabalho, espero ler mais estórias do gênero!
Abraços, Carlos.
Hora de comer vale ouro. Um saquinho de banana seca,amêndoas ou nozes é uma maravilha pra segurar o estômago. E passageiro nenhum vai pedir um teco.
Ficar rico e com úlcera não é uma boa aposta, vizinho.
Abraço e muitas corridas.
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