domingo, 11 de agosto de 2013

Tem que dobrar os joelhos

Fazia algum tempo que não carregava um bêbado no meu táxi. Mas quem trabalha na praça sabe que é inevitável. Mais cedo ou mais tarde, somos premiados.

O sujeito estava duro do trago. Tinha dificuldades em fixar o olhar. Sem especificar para onde ia, apenas me pediu que o tirasse do Centro da cidade. Valei-me São Cristóvão.

Depois de ajudá-lo a afivelar o cinto de segurança, parti sem rumo certo. Meu cliente informou que era cozinheiro de um grande hotel. Vinte anos de casa, chefe de equipe, bom salário. Depois de me passar sua ficha funcional, olhou nos meus olhos e pediu que eu lhe perguntasse se ele era feliz. Depois de um longo silêncio, respondeu de forma dramática: “não”.

O pior erro que um taxista pode cometer é dar conversa ao bêbado, mostrar-se interessado em seus problemas, responder às suas perguntas. Sempre cometo esse erro.

Quando perguntou se eu era católico, respondi que sim, mas que andava um tanto afastado da igreja. Esse pequeno comentário foi o suficiente para o bêbado sentir-se em casa. Estava ali um taxista disposto a conversar. Foi quando ele passou a tocar em mim enquanto falava.

Explicou que eu não precisava ir à igreja. Enfiou o dedo entre os botões da minha camisa para mostrar-me onde estava Jesus. Tentei afastá-lo, mas ele voltou a bater no meu peito, o “Pai” estava bem ali. Precisava bater em mim, como se eu não soubesse onde ficava meu coração!

Depois foi a vez dos joelhos. Ele ensinou-me que era preciso, todos os dias, dobrar os joelhos, ajoelhar e agradecer ao Pai. Parecia uma aula de anatomia, pois ele batia em meus joelhos enquanto falava. Na tentativa de alcançar meu joelho esquerdo, quase se enrolou no volante. Foi quando cortei relações com o amigo:


- Desce, meu chapa!

Enquanto o empurrava para fora do táxi, ainda tentou me contar sobre um compadre seu que havia morrido de trombose, mas minha paciência já havia acabado. Fechei a porta e parti sem olhar para trás.

7 comentários:

vidacuriosa disse...

Transportar passageiro bêbado é como consórcio. Um dia tu és contemplado. Às vezes, quando tu menos espera. Abrs

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

um dia desses, olhando de dentro dum ônibus, reparei que um fiat siena táxi tinha uma divisória para separar o compartimento do motorista... vá lá, isso parece até compreensível não só pelo temor de assaltos como também por causa de bêbados que possam acabar provocando um acidente...

Ricardo Mainieri disse...

Mauro, arranjaste um passageiro bêbado, doutrinador e pegajoso.
Que bom que estivesse chovendo lá fora.
Assim, ele iria curar mais rápido a ressaca...

Anônimo disse...

Mauro, que falta de humildade!!! É preciso dobrar os joelhos... srsrs Com bêbado não dá!

Anônimo disse...

Super CHATO, mas aproveitaste na crônica! Tudo na vida tem sua utilidade (rsrs)! Abraço
Silvia

Maykon disse...

Hahahaha... Essas pessoas - bêbadas ou não - que resolvem encostar para conversar são irritantes...
Ótima crônica!
Abraço!

Clarice disse...

A pinga dispensa terapeuta. Já a religião mata, meu caro, rs.