domingo, 31 de março de 2013

Aprendendo a ficar quieto

A mulher embarca no táxi como um foguete. Está atrasada, precisa chegar ao banco antes que feche. Vencidas algumas quadras, ela percebe que pode ter esquecido o cartão do banco. Revisa a bolsa freneticamente até que dá-se por vencida: precisamos voltar.

Depois de subir ao seu apartamento, a mulher volta irritada. Tinha esquecido o cartão em outra bolsa. É quando eu abro minha boca grande para um comentário infeliz:


- Mulheres e suas várias bolsas.

É o suficiente para a passageira passar o resto da corrida criticando minha observação machista. Além de atrasada, agora ela está ofendida, pois jura que tem apenas 2 bolsas e odeia mulheres consumistas, e taxistas engraçadinhos.

Um estrangeiro embarca com um endereço em um papel. Com meu inglês meia-boca, descubro que ele é turco, que está divulgando a doutrina islamita no Brasil. O homem tem uma barba enorme, olheiras profundas, mas é muito simpático. Aos poucos, a corrida fica descontraída a ponto de eu lhe perguntar o que está achando das gaúchas. Meu passageiro, então, fecha a cara. Diz que é casado... Depois de alguns segundos de silêncio, o turco acrescenta em tom grave: “I love my wife” (eu amo minha mulher). O clima dentro do táxi pesa a ponto de arrearem as molas.

Em outra corrida, estou parado em um congestionamento com um passageiro de meia-idade ao meu lado. Pelo retrovisor, vejo que vem caminhando pela calçada uma garota com aparência de universitária, mas que é, na verdade, uma prostituta de luxo, conhecida dos taxistas, que a levam para trabalhar nos motéis da vida.

Imaginando que o grisalho ao meu lado poderia se interessar, penso em comentar sobre o serviço discreto da moça, mas acabo silenciando no último segundo. Quando o passageiro avista a garota, abre o vidro do táxi e grita:

- Oi, filha, está indo pra onde? O pai te leva de táxi!

Alguém já disse que o homem leva dois anos para aprender a falar e a vida inteira para aprender a calar a boca.

6 comentários:

Anônimo disse...

Três ótimas histórias. O silêncio vale ouro.

Leo disse...

huahuuhahua, Boas Histórias sempre. Mas às vezes é azar mesmo, falar quando não deve...

Sérgio L Buchmann disse...

Há momentos em que devemos ficar calados e não o fazemos;

há também momentos em que devemos falar e nos calamos;

e há momentos em que gostaríamos de falar e contigências nos impedem.

Benditas contigências... ah, as contigências!

Não sei o que seria pior:

- tu assistires involuntariamente a uma provável e expressiva vergonha de um pai em conhecer a verdadeira identidade da filha,

ou

- levar um 'carão' indescritível do pai colocado
em exposição pela escolha da difícil vida fácil da filhota.

O silêncio, muitas vezes, vale muito mais do que mil palavras...
Não é meu caro Mauro Castro?

Um 'há braço'.

Sérgio LB disse...



Pior do que falar em momento inapropriado, é revisar tardiamente um texto já enviado...

Assim, antes que eu apanhe mais uma vez do vernáculo: é contiNgência!!!


Telma disse...

Oi Mauro, gostei das três histórias mas fiquei aqui a pensar no que teria acontecido se não te tivesses calado a tempo de dizer ao pai que a filha era o que era, teria sido uma situação muito constrangedora para os três. Realmente, muitas vezes é melhor ficar calado, mas as vezes custa, rsrs. Um óptimo dia para ti. Beijinhos

vidacuriosa disse...

Eu ia colocar algo aqui, cheguei a digitar, mas acabei desistindo. Estou brincando, claro. rsrsrs