domingo, 27 de janeiro de 2013

Sobre velhice e tapas

Quarta-feira é dia de buscar dona Dora (nome fictício) na clínica geriátrica, em Canoas. Sua única filha é minha passageira antiga. Ela visita a mãe dia sim, dia não, mas às quartas-feiras usa meu táxi, pois é o dia em que traz sua mãe a Porto Alegre. Dia de almoçar com o bisneto, de tomar sorvete e olhar as “modas”.

Dona Dora faz questão que eu a conduza até o táxi. Pega em meu braço com gosto. A idosa me pergunta se minha mulher está cuidando bem de mim. Por trás dos grandes óculos de lentes cor-de-rosa, ela traz um olhar malicioso. Revela que um morador da clínica anda querendo fazer sexo com ela. Constrangida, minha passageira pede que eu perdoe sua mãe pois ela não sabe mais o que fala. Não dou bola.

A jornada de poucos metros até o táxi é vencida com calma, a passos curtos, com muitas paradas para admirar a natureza. O tempo não tem importância para quem já passou dos noventa.

À tarde, na corrida de volta para Canoas, paramos em um mercadinho para comprar um mata-moscas. Um “tapa”. É um apetrecho simples, uma varinha com uma rede de plástico na ponta. Não custa nem dois reais. Dona Dora, porém, recebe o produto como um presente valioso. Ela diz que precisa muito de um tapa. Eu, particularmente, nunca vi mosca naquela clínica.

Depois de deixar dona Dora no lar, na volta para Porto Alegre, minha passageira, que já está na terceira idade há algum tempo, costuma fazer longas reflexões sobre a velhice. Diz que lamenta ver sua mãe naquele estado. Uma mulher que teve uma destacada vida profissional, insistindo em comprar um tapa, para matar moscas que só ela vê, inventando assédios sexuais, perdendo a razão. A vaidade impossível de quem volta a usar fraldas...

Eu, que já não sou mais um garoto, ando cada vez mais impressionado com essa corrida das quartas-feiras. Dia desses, me peguei admirando uma estante de palavras cruzadas (dizem que ajuda a prevenir o Alzheimer). Agora, ando pensando em comprar um tapa.

7 comentários:

Inaie disse...

acho que já vou comprar o meu também.

Sérgio LB disse...

Os velhos são os ícones maiores da humanidade.

Afinal, viver [e sobreviver] por décadas e mais décadas é um desafio que poucos alcançam.

Devemos louvá-los e sermos muito mais espontâneos e simpáticos com esses especiais vencedores que jamais se vergam, a par da inexorável e sem volta passagem dos anos.

Os que chegaram à velhice, só por essa condição, são vencedores.

Então, sejamos complascentes e cúmplices com todas as 'fantasias' desses heróis.

Eles não precisam - e não devem - prestar contas a mais ninguém.

Parabéns Mauro por mais uma bela crônica..., e que a D. Dora continue a caminhar e a rodar contigo por muitos e muitos quilômetros.


vidacuriosa disse...

Por enquanto ainda não estou pensando em comprar um mata-moscas. Mas espalhei pelo pátio duas engenhocas ecológicas para apanhar mosquitos utilizando garrafa pet. Por enquanto nenhum era da dengue. Vá que apareça...

Sheila P S Almeida disse...

Putz... Acabei de entrar no seu blog e já gostei desse primeiro post que li... Eu também tive um blog no blogger da globo mas tive que mudar quando começou a pagar rs...
Consigo imaginar a Dona Dora com seus óculos e sua vaidade...
Será que escrever em Blogs nos fará o mesmo efeito que as palavras cruzadas?
Abraços!

Clarice disse...

Ah, essa varinha tem mil e uma utilidades, até para quem sofre assédio. Quem sabe o sortudo não leve na boa uns bons tapas no traseiro.
Já o tio alemão, se depender de palavras cuzadas estou salva, mas segundo as últimas da medicina teria que exercitar algo que me custe, como matemática. Prefiro encarar o assédio.
Abraços.

Dalva M. Ferreira disse...

Conduzindo Miss Daisy.

secis disse...

De volta as leituras do taxitramas! Saudades de seus causos! E pode adiar esse tapa ae, que não está precisando não. Beijocas!