A mulher que solicitava meu táxi era uma figura estranha, para dizer o mínimo. Magérrima, encurvada, com um chapéu de abas enormes e uma calça larga que não lhe cobria as pernas por inteiro, deixando um tanto de canela para fora. Parei desconfiado.
Em frente a uma pet shop, com o dedo indicador esticado, pele, osso e unha enorme, a mulher perguntou se eu faria, além da corrida, um favor a ela, que o outro taxista que parou recusou-se a fazer (ai, ai, ai). Carregar um saco de ração de 25 kg. Eu precisava descarregá-lo, ao final da corrida. Vamos lá.
A passageira sentou-se ao meu lado. Perguntei se os cachorros dela eram muito grandes para tanta ração. Ela respondeu que detestava cães. Enquanto conversava, reparei melhor na mulher. Idade seguramente acima dos 80 anos, óculos pesados, olheiras escuras e maquiagem excessiva. A dentadura de porcelana deixando escapar um sotaque castelhano. Explicou que aquela ração era para seus gatos. Vinte e cinco quilos!
Ela afirmou que não sabia quantos gatos tinha. Não se preocupava em contá-los. Todos os dias aparecia um novo animal. Não se dava ao trabalho sequer de batizá-los. Enquanto falava, remexia uma sacola em busca da carteira para pagar a corrida. Suas unhas enormes dificultavam a tarefa.
A mulher abriu o portão para que eu entrasse com a ração. Os gatos dominavam o local, desde a calçada, por cima do muro, no pátio. O terreno era um campo minado de fezes. Ela abriu a porta da casa e indicou o lugar onde eu poderia deixar o saco. O assoalho de madeira rangia sob meus pés.
A sala escura estava envolta em uma fumaça azulada. Afundada em um sofá puído, uma velha centenária controlava a movimentação. Devia ser a mãe da minha passageira. Segurava entre os dedos um toco de charuto. Não fosse pelo insuportável cheiro de urina de gato, eu teria pedido para fazer um som em um piano de teclas amareladas que repousava em um canto da sala.
Voltando a trabalhar, meu táxi pareceu o paraíso.
4 comentários:
Beleza de retrato de uma certa parte da atualidade. Os desencontros entre humanos e a solidão, muitas vezes desses contratempos originada, leva as pessoas a se apegarem demasiadamente a outros tipos de vidas, sejam plantas e mais recentemente animais. Gente sem controle de si mesma, acaba trazendo outros seres para o seu descontrole. Atenho-me aos exageros não ao fato de quem estende, com parcimônia, o seu amor a outros seres.
Mauro, você é o taxista destemido que encara aas corridas mais "cabeludas" desta Porto Alegre.
Que duplinha encarastes!
Só faltava os felinos te atacarem.
Mas, aprofundando um pouco mais o comentário, vejo que a solidão das pessoas movem-nas a comportamentos bizarros e a viver num mundo um tanto estranho.
Coisas que um pouco mais da solidariedade humana, pelo menos, amenizaria.
Abraço.
Ricardo Mainieri
Ler suas histórias são sempre diversão na certa! É como se fosse um noticiário daquilo que não aparece nos jornais, um local onde a vida do dia a dia e do cidadão comum são estampadas nas letras...
Faz tempo que acompanho o blog e não canso de ler! Sempre imaginei que taxistas teriam, mesmo, muito o que contar...
Adorei! =)
O mundo dos gatos é incompreensível. Elas desistiram de entender. Alguém precisa dar de brinde umas castrações. Para os gatos, claro.
Essa história iria bem para Hitchcock(escrevi certo?)
Miau!
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