O despertador me acorda, infalível - ele nunca se atrasa. Seis da manhã em ponto. Levanto meio zumbi, meio tonto, meio querendo voltar pra cama, só mesmo a água do banho pra me botar no prumo. Assisto à previsão do tempo na TV enquanto engulo o café: áreas de instabilidade e abafamento. Novembro promete ser quente. Valha-me o ar condicionado.
O dia parece que se recusa a nascer. Uma neblina espessa cobre as antenas do Morro da Polícia. Cerração baixa, sol que racha. Percorro a Bento Gonçalves como quem procura respostas. Terceira marcha, sem pressa, esquentando o motor do táxi, não adianta se atucanar. Levo um resto de batom nos lábios, que sobrou do beijo da minha mulher. É um bom começo.
Parado no sinal, esquina da São Jorge, ouço um solo de clarim. O soldado do Regimento Osório arrisca um jazz. O comandante ainda não deve ter chegado. No carro parado ao lado, um garoto me observa. Está preso à sua cadeirinha, no banco de trás. O pai dele está distraído ao volante. Abano para o garoto. Ele fica encabulado, olha pro pai, olha pra mim, não sabe se retribui o aceno. Antes que decida, o sinal abre. Já era.
Logo os passageiros aparecem pelas calçadas. Uma corrida, duas, várias. O movimento embala a ponto de eu esquecer a fome. Vou almoçar lá pelo meio da tarde. Primeira parcela do décimo terceiro salário, início de mês, fim de ano chegando, todo mundo na correria. A tendinite na mão direita lateja. Próximo táxi terá câmbio automático, juro para mim mesmo.
As horas passam e o dia vai dando os doces, a iluminação pública surge como um sinal: estou vencendo o primeiro round da semana. É segunda-feira, o parceiro da noite está de folga, espicho um pouco mais o horário de verão. O gás chega ao fim junto com minha paciência. Os motoristas que rodavam lentos, pela manhã, agora querem passar por cima uns dos outros. É hora de dar tchau. O luminoso do teto se apaga. O prefixo 1296 cumpriu sua parte.
Amanhã é outro dia.
5 comentários:
Legal, gostei do termo "dar os doces". Me fez lembrar dos tempos de repórter de polícia, quando ouvia também o sinônimo "foi para a banha". Um dia ainda hei de descobrir a origem dessa expressão. Abraços
Do jeito que o trânsito de Porto Alegre anda cada dia mais tenso, o câmbio automático é mesmo uma mão na roda. E apesar de ainda aumentar um pouco o consumo de combustível, a economia com a manutenção do próprio câmbio é favorável. Já começa que o câmbio automático convencional não tem os sincronizadores, que se por um lado permitem que se selecione as marchas como der na telha acentuam o desgaste das engrenagens, para não falar no conjunto de embreagem que, além da durabilidade menor que um conversor de torque hidráulico, sempre necessita a remoção do câmbio para ter acesso e fazer a substituição, o que acaba encarecendo também o gasto com mão-de-obra na oficina.
Mas toma cuidado com os automatizados (Dualogic/Easytronic/i-Motion), que em alguns casos tem dado problema por causa da interferência do gerenciamento eletrônico dos kits de conversão para gás.
bela crônica Castro. poetica e real ao mesmo tempo. abraços.
Nada como um bom título. Forte abraço e boa semana.
"Levo um resto de batom nos lábios, que sobrou do beijo da minha mulher. É um bom começo." É muito mais que um bom começo. O gosto do batom da mulher amada é um conbustível poderoso. Traz implícita uma sugestiva mensagem de : "Volta logo e disposto que tem muito mais te esperando".
Há braços.
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