domingo, 30 de setembro de 2012

Qual o nome da ópera?

A velhinha elegante embarcou no táxi com a cautela que a idade requer. Devagar. Com português perfeito e pausado, perguntou se eu sabia chegar à Rua Auxiliadora. Mesmo eu informando que sabia, ela puxou um papel onde havia anotado o trajeto para não esquecer: Ipiranga, Silva Só, Goethe, Marquês do Pombal, Auxiliadora.

Ok. Confere.

Vencidas algumas quadras da Avenida Ipiranga, ela desdobrou o papel e releu detalhadamente o itinerário: Ipiranga, Silva Só, Goethe, Marquês do Pombal, Auxiliadora. Perfeito. Estamos na rota.

A idosa disse que estava indo à casa do filho. Ele a levaria para comprar ingressos para a ópera que estava chegando à cidade. Tinha esquecido, porém, o nome do espetáculo. Perguntou se eu sabia. Não entendo nada dessas coisas.

Intrigada, minha passageira resolveu ligar para o marido, que, segundo ela, toma "Gingobiloba" e tem excelente memória. Mas ela acabou atrapalhando-se e ligou para o irmão. Este, também não sabia o nome da ópera. "Não toma Gingobiloba”.

Quando a idosa por fim atinou a ligar para o marido, estávamos entrando na Avenida Silva Só. Ela, então, pediu ao esposo que esperasse na linha e me passou novamente o trajeto: Ipiranga, Silva Só, Goethe, Marquês do Pombal, Auxiliadora. Apesar da Gingobiloba, o marido também não lembrou o nome da ópera. Sabia apenas que o autor era o Puccini.

Não satisfeita, a velhinha ligou para o filho, mas nem ele nem a esposa lembraram o nome do raio da ópera. Passando pela Goethe, ela puxou o papel e ditou outra vez: Ipiranga, Silva Só, Goethe, Marquês do Pombal, Auxiliadora. Minha passageira lamentou a péssima memória do filho. Quanto à nora: “Essa nem Gingobiloba resolve”.

Em seguida, seu telefone tocou. Era o filho com o nome da ópera: La Bohème! Ela agradeceu e informou que já estávamos chegando. Perguntou-me qual era mesmo o nome da rua em que estávamos. Foi quando me deu um branco. Não lembrei nem a pau!

Ao desembarcar, ela me aconselhou: Gingobiloba.

6 comentários:

SÉRGIO LB disse...

Sensacional. Muito divertida esta crônica!
"Gingobiloba", então?
Quando eu nasci, há 56 anos, o Senhor tinha duas opções a me oferecer: me contemplar com uma grande beleza física ou com uma grande memória. Puxa, parece que foi ontem...

Dicas Legais disse...

Mauro, excelente blog! Histórias interessantes, hilárias e dificil de parar de ler. Fiz uma recomendação no meu blog com certeza. Parabéns e sucesso!!!

Alexandre RJ disse...

Manda gingobiloba para o seu editor, assim ele se lembra de tirar logo o novo livro!

vidacuriosa disse...

Excelente história. Não sei como pode haver gente tão esquecida. Mas não era isso que eu queria comentar logo que terminei de ler o texto. Sabes onde eu encontro esse remédio, o gingo, gingo o quê?

vidacuriosa disse...

Não resisti e voltei para um novo comentário. É que, no primeiro, esqueci o que ia dizer. Agora me lembrei. Eyu queria dizer que herdei apenas duas qualidades do meu avô paterno: uma é a excelente memória e a outra... puxa, não consigo me lembrar.
Abrs

Inaie disse...

hahaha...a velhinha pode estar com a memória fraca, mas reclamar da nora ninguem esquece, né?