Caía uma chuva fina sobre o bairro Azenha. O passageiro que me fazia sinal era um senhor de idade bem avançada, que não deveria estar na rua com um tempo daqueles. Parei bem junto à calçada. Ele fechou o guarda-chuva e embarcou desajeitado.
Meu idoso cliente pediu que eu tocasse até a delegacia mais próxima. Estava furioso. Tinha resolvido ir à polícia registrar queixa contra uns garotos que estavam “infernizando” sua vida. Segundo ele, o problema era a barulheira que a turma fazia com seus skates, bem em frente à sua casa.
Meu passageiro contou que tinha reclamado para os garotos, mas que haviam feito pouco caso, que continuavam com a baderna. Do alto dos seus oitenta e tantos anos, disse que teria saído de bengala em punho atrás dos desaforados, disposto a passar-lhes um corretivo. Depois disso, teria virado alvo de chacota da meninada, o que o estava levando à loucura.
Em tom de desabafo, o velhinho contou que esteve a ponto de cometer um desatino. Integrante da Força Expedicionária Brasileira, que combateu na segunda guerra, disse que chegou a engatilhar sua arma para atirar nos meninos. A imagem de sua falecida mulher, no porta-retratos, o teria feito desistir. Resolveu procurar a polícia.
Quando chegamos à delegacia, o idoso estava mais calmo. Já não falava mais nos skatistas. Passou a me relatar suas aventuras na guerra, na campanha da FEB na Itália. O velho abatido do começo da corrida agora parecia um menino, o olho brilhando, o peito inflado. Contou que mantinha sua farda guardada, impecável.
Quando desceu do táxi, ele já havia desistido de dar queixa. Não tomaria o tempo de um policial com seus aborrecimentos. Disse que voltaria para casa caminhando, pois caminhar lhe ajudava a organizar as ideias. A chuva tinha parado e o sol espiava entre as nuvens.
Apoiado em seu guarda-chuva, o ex-combatente despediu-se com um aceno e partiu rumo a, talvez, sua última batalha: a luta por respeito.
12 comentários:
tem hora que é melhor manter a calma e usar o bom senso... é melhor uma gurizada andando de skate na frente de casa do que um nóia fumando crack e depois "pedindo" dinheiro em tom de ameaça...
tem hora que é melhor manter a calma e usar o bom senso... é melhor uma gurizada andando de skate na frente de casa do que um nóia fumando crack e depois "pedindo" dinheiro em tom de ameaça...
Pobre senhor, preso a um passado, iludido pensando ser de glorias, mas nada alem de subserviencia a violencia , que reflete ainda em sua intolerancia. Pobres jovens, que nunca sabem os limites entre o seu e o outro.
Dona Sra Urtigão resumiu tudo o que eu pensava sobre esse belo post, que contém imagens do passado e do presente emoldurada
s no mesmo retrato.
Ele deveria ter entrado na delegacia e entregado sua arma. Vai acabar passando os últimos dias às voltas com a justiça, que tantos militares pensam poder fazer com as próprias mãos.
Essa guerra, nos dias de hoje, talvez ele perca!
Nooossa! Eu me coloquei no lugar dese senhor. Chega o verão e por aqui não há mais regras. Não sei se deveríamos nos acostumar ou batalhar contra. Talvez seja essa dúvida que tenha começado a bandalheira que está esse mundão.
Beijo.
Os anos passam, eu me faço velho, vou ficando debilitado, e você sempre jovem, sempre risonho, sempre alegre, sempre simples, sem querer muito e conseguindo tudo... Estou contente por hoje ter atingido a idade de 90 anos e por, em mais um regresso do outro lado da Lua, ver você pedalando sem esforço na sua bicicleta das descobertas e atirando flores às pessoas por que passa. Aquela da influência da fotografia da mulher no pobrezinho é das suas melhores flores.
Fernando Pinheiro
Morri de pena do velhinho, que se incomoda com a alegria dos moleques que brincam na frente da sua casa.
Se os skatistas nao fazem barulho madrugada afora, não há nada que se possa fazer.
Meu medo é que num momento de fúria, ele acabe fazendo uma besteira, atire em uma dessas crianças e acabe com a vida de uma familia vizinha.
Tomara que ele tenha uma pontaria de merda!
alo Mauro
lendo o que aqui descreveste surgiu uma idéia que vou explorar num texto que vou chamar "O VALOR DE UMA BENGALA"......com tua autorização claro.......abrs ricardo
Autorizado.
Comentário mais lindo:)
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