Dia de finados. Uma linda manhã de sol em Porto Alegre. Venho descendo o Morro Santa Tereza quando avisto uma senhora acenando para meu táxi. Estranhamente, ela está sentada em uma pedra na calçada. Em um dos braços, segura um punhado de flores.
Ela embarca com dificuldades. Está com muita falta de ar. Ofegante, ela pede que eu a leve até o cemitério, está indo visitar seu falecido esposo. Conta que tem graves problemas respiratórios, que está cansada da vida e que não vê a hora de juntar-se ao marido, que morreu há 5 anos.
Rodadas algumas quadras, a mulher silencia. Parecia ter dito o que havia para dizer.
Mais adiante, desconfiado, dou uma espiada de canto de olho para o banco traseiro. A passageira está com a cabeça levemente caída, uma das mãos está enfiada entre as pernas. O outro braço está distendido, parte das flores soltas sobre o banco. É quando começa minha aflição.
Quando paro em um sinal, dou uma olhada mais atenta na mulher. Ela pode ter dormido, tem a boca entreaberta, mas é difícil ter certeza, minha mente criativa diz que ela pode ter morrido. Antes que eu possa notar se seu peito está se movimentando, o sinal abre e eu tenho que seguir.
Entro em paranoia. Começo a imaginar a confusão. Eu pedindo ajuda: "ela morreu, ela morreu!". Os curiosos em volta do meu táxi, a polícia, os repórteres, o carro recolhido para perícia. Vou perder o dia dando explicações em uma delegacia.
No auge do meu desespero, um cachorro atravessa na frente do meu táxi! Com a freada a passageira desperta, dá um grito, joga as flores para cima! Está mais viva do que nunca, tanto que me xinga por tê-la assustado!
No final da corrida, despeço-me da mulher desejando uma feliz visita ao cemitério, um ótimo dia de finados, falo da beleza da vida e outras besteiras. Ela fecha a cara e me xinga outra vez. Azar, o importante é que o cachorro escapou, minha passageira "ressuscitou" e a vida segue seu curso.
Próxima corrida!
8 comentários:
Talvez você tenha salvo a vida dela. Quem sabe já estava quase do outro lado, mas com o impacto da freada, acabou se apagando aquela luz branca no túnel que dizem ter visto aqueles que já fizeram uma rápida visita ao além. E ela ficou braba porque você adiou o encontro dela com o marido.Durma-se com um silêncio desses.
Muito boa crônica!
Excelente! Só acho que o cachorro apareceu na sua mente, para dar uma sacudida na véia... rs.
Excelente! Muito bem contado, muito bem escrito, muito bem bolado. Quisera eu...
Rapaz, o que não te falta é imaginação.
Abração.
um amigo recomendou esse teu canto :) ótima narrativa, vou ler os posts antigos!
Olá, tinha um tempão que não passava por aqui. Como sempre, sua histórias são simplesmente ótimas.
Vou voltar mais vezes. É ótimo para retornar à simplicidade da vida. As pessoas é que complicam
Um abraço e Felicidades.
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