domingo, 17 de abril de 2011

Como um carro cai na vida

Tudo começa quando o taxista retira seu carro novo em folha na revenda. Ele será entregue com uma certa cerimônia. Um funcionário explicará o funcionamento básico, passará as chaves e desejará boa sorte. O taxista, então, sairá rodando orgulhoso, cheio de cuidado, como quem pisa em ovos. O momento deve ser bem aproveitado, pois aquele carro imaculado (virgem) está com as horas contadas.
O veículo já pode ser levado direto para a oficina de pintura, onde será desmontado, lixado e pintado com a cor padrão táxi. É uma espécie de rito de passagem pelo qual todo táxi de Porto Alegre passa. Aquele carro inocente, desarmado, sairá pintado para a guerra, munido de faixas laterais, taxímetro, luminoso no teto e figa no retrovisor, porque um pouco de fé também não faz mal a ninguém.
Taxistas mais românticos colocarão capas nos bancos, capa na direção, tapetes extras e um engate de reboque para proteger a traseira. Tudo na vã tentativa de preservar a integridade do pobre autinho que está prestes a cair na vida. Um minuto de silêncio...
Depois de abrir a porta para o primeiro passageiro, não resta outra alternativa senão seguir em frente. Muitos outros clientes virão. Além da maioria educada e cordial, virão também bêbados virando cerveja, madames com seus cachorros, atletas suados, crianças comendo picolés, assaltantes armados, compras com embalagens furadas além de todo tipo de secreção humana da qual é melhor nem falar.
Nos primeiros dias de praça, o táxi será elogiado por sua firmeza, maciez e cheirinho de novo. Elogios que irão rareando com o decorrer do primeiro mês de praça até não serem mais ouvidos. Mal comparando, os mesmos elogios que uma prostituta em começo de carreira deve ouvir, até que o viço da idade vá se perdendo entre os lençóis de sua vida nada fácil.
Acabo de trocar meu táxi. O primeiro passageiro a usá-lo foi um gordo suado, que falava ao celular. Inaugurou meu carro sem o menor pudor, pagou a corrida, bateu a porta e se foi. É assim mesmo. Quem se importa com os sentimentos de um táxi?

9 comentários:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

eu até evito bater porta dos taxis, e quando o veículo é limpo e bem cuidado eu até me animo a deixar 2 pila a mais pro piloto tomar um café...

Anônimo disse...

Linda, poética e verdadeira as analogias usadas neste magnífico texto!
"Vida de carro de praça e puta, não são fáceis!"

Caminhante disse...

Até um taxi merece alguém mais cuidadoso pra sua primeira vez, né?

Thai Nascimento disse...

Ao menos todos esses passageiros, com suas compras em sacolas furadas e todas as suas excreções, trazem boas histórias. Pelo menos pra o blog.

:0

Bete Nunes disse...

Parabéns pela troca, e boa sorte com o novo carro.

Clarice disse...

Parabéns pelo carro novo. Quero dizer, usado.
Boa sorte com ele. Que renda boas histórias, sempre com final feliz.
É o destino, meu caro: saiu da loja já é carro que deprecia a cada dia. Mas do ponto de vista de vida, vale cada dia mais. Um carro sem história é só alumínio e ferro reciclado.
Boas viagens!

Dalva M. Ferreira disse...

Legal. Assim na vida como na arte...

Everton Bitencourt disse...

Parabéns, Mauro!

Muitos sucessos com o carro novo.
Forte abraço!

Robinho do taxi disse...

É meu amigo você me fez lembrar que daqui alguns dias vou passar por isso pois também estou nesse processo de troca de carro e lendo sua postagem comecei a sentir aquele sentimento ruim de ter alguém destruindo aquilo de que temos todo o cuidado do mundo para que dure o máximo possível você resumiu muito bem esse sentimento deu até dor no coração imagine você que li em um blog o qual não me lembro agora que o blogueiro reclamou que pegou um taxi e o taxista pediu que ele tirasse o pé do painel pois iria arranhar e mesmo achou ridiculo o taxista considerar o carro como um patrimonio