Em uma vila da periferia, duas garotas aparentando vinte e poucos anos, bem vestidas, fazem sinal para meu táxi. Uma delas está falando ao celular. A outra, também ao telefone, parece estar digitando uma mensagem. Embarcam apressadas, mal me cumprimentam, pedem para ir tocando em frente.
Pela conversa ao telefone, consigo deduzir o que está acontecendo. São prostitutas de luxo. Uma delas descobriu que está grávida. Vieram à vila atrás de uma aborteira. A pessoa que conversa com elas pelo telefone parece ser uma espécie de empresária, agente ou coisa parecida. Passa instruções de como devem proceder.
Com o telefone no viva voz, para que as duas possam escutar, acabo inteirando-me dos detalhes da situação. Elas não parecem se importar. Usam o táxi para uma espécie de conferência com a chefe, que parece ter experiência no assunto. Como a aborteira pediu um preço muito alto, a mulher do outro lado da linha orienta as garotas a procurar uma determinada farmácia onde o balconista, amigo dela, conseguiria um remédio abortivo. "Toca para a tal farmácia".
Elas pedem que eu as espere. Depois de alguns minutos, saem da farmácia sem o remédio. O balconista as orientou a procurar um sujeito no centro da cidade que conseguirá os tais comprimidos. Durante todo o trajeto, a garota que está grávida mostra à outra as mensagens de texto que está trocando com o namorado, um rapaz de família rica, que não sabe que ela faz programas. Ela precisa interromper a gravidez pois o filho que está esperando não é dele - o namorado sempre usa preservativo.
Deixo-as próximo à praça XV, coração da cidade. Fico observando enquanto as duas partem. Entre gritos anunciando compra de ouro e promoções de buffets livres, um pastor, bíblia em punho, prega a palavra de Deus na calçada. A loucura do centro me faz lembrar que também tenho pressa. Desligo o taxímetro e parto para outra.
10 comentários:
Ótima história!
Gosto da historias que leio aqui, mesmo quando me entristecem pelo tanto que as sei reais.
... e a vida continua.
Um pré-requisito da cidade grande é o morador criar uma "casca" mais grossa para protegê-lo de tudo que acontece.
Caro Mauro, que tantos acontecimentos presencias em POA, se deixasses que tudo que acontece lhe afetasse... não sei se continuaria sendo taxista.
Abraços!
Mauro a vida é feita, também, de um percentual de morte.
Este assunto está na "crista da onda", visto que revestiu-se de caráter político e eleitoral.
O taxista, por vezes, me passa a sensação do voyeur. Aquele que espia, mas não pode interferir nas atitudes do observado.
Embora com o gosto do drama da cidade grande, um ótimo texto.
Abraço.
Ricardo Mainieri
Uma dezena de possibilidades para longos papos sobre isso tudo. Por ora, vejamos que o noivo é o que me causa mais dó. Guria safada transando sem camisinha. Ainda bem que o noivo usa. Tomara que ele seja teu leitor.
Abraços.
Nossa,sem palavras!
Maurinho, vi um post e lembrei de vc, imagine se essa moda aqui pega? Hahaha: http://marketingnacozinha.com.br/2010/10/pague-o-taxi-com-chiclete/
coisas da vida cotidiana de uma prosituta, que nao sou dar valor ao namorado.
Muito oportuno, já que os hipócritas de plantão estão aperreados com a discussão (ainda que tímida) sobre esse tema. Eu não tenho opinião formada, só acho que pimenta no do outro é refresco. Aí eu quero ver essas convicções ferrenhas balançar. Belíssimo texto, como sempre! Abraços.
Esta está realmente boa!
Dá que pensar.
Esqueceu a pressa amigo... esqueceu nada, mas estava sim ligado nos detalhes para dividir conosco aqui! Muito boa!
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