Todos os domingos um táxi estaciona em frente a uma velha e tradicional igreja de Porto Alegre. O taxista entra sem tocar na água benta, sem fazer o sinal da cruz - ele não tem fé. O taxista apenas fica em pé, no fundo da igreja. Ele não acompanha a missa, não ouve o que o padre fala, apenas fica olhando para o altar. Todos os domingos.
Foi há muito tempo. O taxista levava uma mulher humilde que estava atrasada para o serviço. Ela estava indo fazer a faxina semanal em uma grande igreja da zona leste da capital. Durante a corrida, os dois entabularam uma conversa, que acabou em namoro. Apesar de casado, o taxista acabou entregando-se à paixão.
Depois de alguns meses de uma relação ardente, a mulher engravidou. O taxista, em desespero, pediu que ela abortasse - não queria prejudicar seu casamento com um filho bastardo. Ela, porém, resistiu e levou a gravidez adiante.
Durante toda a gestação, a mulher continuou fazendo suas faxinas, sobretudo na igreja, da qual conhecia cada centímetro, onde já trabalhava havia muitos anos. O taxista, vendo a fibra da mulher, conformou-se com a ideia de um filho fora do casamento. Sentia-se culpado por ter pensado no aborto. No conforto de sua casa, pensava na mulher pobre, que esperava por um filho seu em um barraco de madeira.
Sem ter a quem recorrer, a mulher teve o filho sozinha, em casa. A criança veio ao mundo morta.
Quando o taxista a encontrou, dias depois, ela já tinha dado jeito em tudo. Já estava trabalhando, que era sua sina. Já estava ariando o assoalho da velha igreja. Assoalho, aliás, que tinha duas tábuas soltas embaixo do altar, que só ela conhecia. Foi lá que ela depositou a criança morta, depois de enrolá-la cuidadosamente em um plástico, para que não sentissem o cheiro.
Todo o domingo, com o olhar fixo naquele altar, o taxista pensa que não há lugar melhor para um anjo.
19 comentários:
História meio sinistra!
Abraços!
Nem que ele não fosse nunca mais aquela igreja,ele jamais esqueceria!!!
Oi Mauro,
Vc não é apenas um taxista que escreve, vc é um escritor que dirige um taxi, pois escreve muito bem! Espero que guie tão bem qto escreve.
Adorei o seu blog e estou seguindo. Vou ficar muito feliz se vc me seguir tb.
Bjkas e uma ótima semana para vc.
Oi Mauro! Saudades dessa trama!
Olha vc me perguntou como que faz um layout como o meu, eu que fiz o meu, e se quiser eu ajudo você a melhorar o teu, http://keniachan-portfolio.blogspot.com, eu costumo fzer isso para meus amigos e coloco no meu portfolio.
Não será incomodo algum, é um prazer!
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Concordo com a Betty.
Linda história que só quem viveu uma situação parecida (ou, essa contada, mesmo!), pode descrever com essa pitada de sentimento e poesia.
A vida nos coloca em situações 'exdrúxulas' enquanto por ela percorremos...
Sempre nos pegando de surpresa, onde ficamos estáticos, sem respostas; então, vamos seguindo, vivendo, e o desenrolar das coisas acabam nos colocando num agora às vezes triste, trágico, alegre... Não sei definir, na verdade o agora ( o presente), é sempre a realidade que temos.
Parabéns!
(Tentarei responder a sua pergunta lá, no meu canto).
Oi Mauro, que legal seu blog! Nunca conheci um taxista blogueiro antes, adoro esse mundo moderno cada vez mais. ahahaha
Já estou seguindo!
Nossa, que historia...
Gostei do seu blog, se todos os taxistas tivesses essa criatividade, não faltaria assuntos numa corrida.. rs.
Gostei e vou seguir.. se vc me permitir.
Beijos.
Nossa,
profunda demais essa história... debaixo das tábuas da igreja não jaz apenas uma criança natimorta, jaz também a alma do pai dela.
Concordo com a Bety.Cada vez mais admiro você.
Oi, Mauro!
Linda estória.
Linda mesmo.
Beijos mil!!!
Um belo conto.
E uma atraente história.
Parabéns Mauro. Acredita que roubaram meu livro do TAXITRAMAS? rsrs
Isso não me deixou triste. Agora tem mais alguém com sua obra em mãos.
Tudo de bom.
Olá, Mauro! Ahh, achei esse conto triste =/ Mas muito bem escrito ;*
Show de bola Dom Mauro! Romance, apreensão, tristeza, dor e poesia. Um grande pequeno conto!
Ah, essa fez doer meu coração! =(
Culpa é tão pesada quando inútil, né, Mauro? Culpa é cada soco que a covardia dá na cara da gente...
Seguindo, aqui. Obrigada pela visita.
ℓυηα
mauro!
excelente! um conto muito bem escrito. fiquei fã!
abraços.
Impressionante!
Adorei a parte em que o taxista entra na igreja, não faz o sinal da cruz e nem se benze com água benta - "ele não tem fé". Essa passagem já reflete o que vem pela frente, as consequências de um mundo sem Deus, sem luz. Mas o que mais me impressionou no texto foi o local em que a mãe enterrou o bebê. Que tragédia! Difícil aceitar o erro de ambos.
Esta história com certeza estará na lista dos seus melhores trabalhos.
Olá Mauro.
Porque é que não fizeram um funeral para o bebé? Que horror.
P.S. Saudades do Pnet crónicas
Dizem que a primeira palavra, e possivelmente a última, de um ateu quando o avião está caindo é: "Aiii meu Deus!!!". Pelo menos o taxista era assíduo, muito mais que vários que se intitulam como religiosos. E os religiosos que vão, será que estão lá mesmo?
abraço
Oi Mauro!!
Tô lendo e me atualizando no seu blog.
Fazia tempo que não tinha um tempinho para ver suas "estórias".
Muito boa esta do taxista e a amante. Super triste e ótima.
É muito legal acompanhar teus causos.
Gostei bastante também do menino que queria ser médico.
Abraço,
paulo vinícius
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