Para o domingo valer a pena

Normalmente, não trabalho aos domingos. Como meu parceiro que assume o volante do táxi aos fins de semana está tirando uns dias de folga, acabei indo à luta. Verão, um dia lindo de sol, a cidade em câmera lenta e eu trabalhando... Não dá nada.
Se minha disposição já não era das melhores, o primeiro passageiro do dia tratou de jogar o clima ainda mais para baixo. Era o assessor de um importante deputado estadual. Um político, que passa a corrida toda fazendo conchavos ao telefone.
Porque era domingo e não estava disposto a ouvir abobrinhas, resolvi não puxar assunto, pois conheço bem a figura: é daqueles que, ao estilo Hugo Chaves, tenta convencer o taxista que a culpa pela má reputação da classe política é da midia - como se fosse a imprensa que colocasse o dinheiro nas cuecas e meias deles. Não dei papo, mas me deprimi mais ainda.
Depois dessa, eu já estava disposto a desligar o taxímetro e voltar pra casa, quando um magrão com um toca-discos em baixo do braço acenou para meu táxi. Reconheci-o de longe: Tonho Crocco, líder da extinta e lendária banda Ultramen. Grande presença!
Já passava das 10 da manhã, Tonho estava indo pra casa depois de uma noite de discotecagens e shows. Algumas doses além da conta, ele fez festa ao saber que o taxista era seu fã. Para minha surpresa, ele também me reconheceu da coluna no jornal. Foi uma corrida descontraída, com o Tonho me mostrando sua coleção de discos em vinil de black music e ao som de meu Cd da Amy Winehouse.
Depois de posar para uma foto, Tonho Crocco se foi com seu toca-discos embaixo do braço. Deixou um Cd seu (que estou escutando enquanto escrevo essa crônica) e levou um livro meu. Tietagem mútua e amiga.
Com ânimo renovado, trabalhei o resto do domingo numa boa. Porque me basta um passageiro certo, na hora certa, para o dia valer a pena.