Foi numa época em que haviam muitos táxis e poucos passageiros. Época de instabilidade econômica, inflação, grana curta e incertezas. Às vezes, passava-se uma manhã inteira à espera de uma corrida. Uma época em que se ganhava muito pouco na praça. Foi nessa época, e talvez por isso mesmo (pela desvalorização do serviço), que consegui comprar meu táxi.
Apesar de tudo, tenho boas lembranças desse tempo. Meu táxi era um fusquinha sem-vergonha, com o assoalho podre, folga na direção, queimando óleo pelas ruas de Porto Alegre. O pouco que ganhava era insuficiente para trocar de carro. Mas eu estava trabalhando por conta própria e isso era o que importava. Liberdade.
Para piorar as coisas, nesse começo, eu não tinha ponto fixo. Tinha que procurar serviço na rua, rodando pelas avenidas, dando "bocadas" em pontos alheios e, principalmente, trabalhando no centro da cidade, onde os pontos sempre foram livres. E eis ai uma das coisas que tenho saudades: trabalhar no centro.
O coração da cidade, o burburinho, o movimento frenético, a gritaria do vendedores ambulantes. O taxista do centro trabalha em um clima diferente. Tenho boas recordações desse tempo. Dos colegas, do astral e das muitas histórias.
Certa vez, estávamos parados no ponto da descida da rua Caldas Junior. Uma fila enorme de táxis, aquele marasmo, quando ouviu-se uma gritaria bem conhecida: "pega ladrão!". Um larápio tinha batido uma carteira e descia correndo, lomba abaixo, escapando da cena do crime. Ele fugia em alta velocidade, correndo bem rente à fila dos táxis.
Um dos taxistas controlou o movimento pelo retrovisor e abriu a porta do carro no momento exato. O ladrão deu com os cornos na quina da porta. Caiu estatelado no chão e ali ficou, para delírio dos colegas de ponto.
Hoje tudo está mais fácil, mas não posso dizer que não tenho saudades daquele tempo.
11 comentários:
Mesmo nos tempos dificeis existem certas coisas que nos tocam e trazem boas lembranças.Um abraço.
Ainda é possível isso, a pessoa ter taxi sem ter ponto? Tempos heróicos aqueles!
bah, esse fusquinha deve ter dado belas historias heim Castro?
eu até jah ouvi algumas que ñ foram publicadas mas vamos deixar em off né? hahaha
grande semana pra vc Castro meu mano...
abraços
A gente envelhesce e as cenas que fizeram o que a gente é hoje ficam como numa foto em preto e branco, a cor da melancolia.
Abraços!
Mauro, aquela ladeira da Caldas Jr. tinha tb. uns bares de luzes vermelhas, tudo bem antes do shopping Rua da Praia...
Tempos em que as coisas pareciam ser melhores, apesar da crise econômica.
Curiosidade, vc. não andou, ontem à tarde, pelo shopping Praia de Belas, na área de alimentação?
Se não eras tu, o sujeito era parecido...
Abraço.
Ricardo Mainieri
Meu pai era taxista lá no Rio, e todo dia ele chegava com uma história diferente - tipo a da mulher que achava que toda passarela era a linha vermelha. Uma beleza. Sem contar os famosos que ele pegava.
Beeijo!
Primeira pessoa que vejo dizer que gosta do centro de Porto Alegre. hehehe
Castro, sabe o que faltou nesse post? uma foto do fusquinha... bah, ficou devendo heim...hehe
Abraços
Também gosto do anonimato do centro, só não gosto do fedor de mijo que tem lá...
Li tua história naquela revista que paga pelas reportagens!!! Tava no barbeiro, tinha a revista lá!
Pô, ganhou trezentão, ainda!
Abração
João
Um dia desses deixei meu cisne branco para revisão e fui resolver pendências no centro. De táxi. Coisa há muito tempo não praticada por mim. Rapaz simpático, com voz de radialista, logo puxou assunto. Raramente converso mais que duas linhas com taxistas, pela minha timidez mesmo e para não distraí-los, que esse trânsito está cada vez pior. Mas se o papo corre livre a coisa flui sem cancelas.
No meio da conversa falamos daqueles contadores de quilometragem tipo capelinha, daqueles de corda...epa, disse eu! Não sou dessa época, não!
Antes de chegar ainda deu tempo de falar de ti e de teu blog, coluna no jornal, entrevistas. Ele sorriu, deixou o olhar se perder um pouco sobre o volante e disse: Olha, essa é uma idéia muito boa!
Quem sabe apareça um taxista-escritor aqui em Floripa. Você faz escola, amigo!
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