E dizem que Deus é brasileiro

Apanhei meu passageiro em frente a uma igreja. Na verdade, um antigo cinema, que agora serve de templo para uma destas novas religiões, que não sei bem o nome. O fato é que uma multidão deixava o local, bíblias nas mãos, roupas de domingo, quando esse homem me fez sinal e eu parei.
Era um sujeito estranho. Muito alto, encurvado, usando um paletó que não lhe vestia muito bem: largo e curto nas pernas. Além de tudo, o homem era vesgo às avessas. Seus olhos apontavam um para cada lado. Figura estranha.
Ele pediu que tocasse em frente. Até pensei em lhe pedir que especificasse o destino da corrida, mas ele não me deu tempo: foi logo perguntando seu eu acreditava em Deus. Soltei um "sim" sem muita empolgação, na esperança que o assunto ficasse por ali, mas foi em vão, o magrão começou uma pregação furiosa.
Enquanto rasgávamos a avenida Bento Gonçalves, sentido bairro, o homem professava o nome do Senhor. Volta e meia, batia com a bíblia no painel do carro, como se aquilo pudesse espantar o capeta do meu táxi. Proferia um sermão interminável. Salmos, parábolas, versículos. Eu apenas concordava com a cabeça.
Para piorar as coisas, o sujeito cuspia ao falar. O evangelho era lançado em minha direção em forma de gotas de saliva. Quanto mais eu me afastava, mais ele chegava perto. Por fim, eu já estava dirigindo com a cabeça quase pra fora da janela.
Meu passageiro era uma metralhadora santa, não parava de pregar a palavra nem para indicar o caminho, apenas apontava com a bíblia. Já havíamos subido todo o Morro da Cruz e descambávamos em direção ao fim do mundo.
O sermão só acabou quando o passageiro puxou o revólver de dentro do paletó. O tom de voz mudou, e o assunto também:
- Caiu a casa, motora. Passa a grana, o relógio e o celular. E fica frio que eu sou nervoso!